DISCRIMINAÇÕES AOS PORTADORES DO VÍRUS DA AIDSHilda Sabino Siemons* Sumário: 1. Introdução. 2. Breve Histórico da AIDS. 3. Origem do Vírus HIV no Homem. 4. Informações Genéricas Sobre a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou Acquired Immunity Deficiency Syndrome (AIDS). 5. Legislação Pertinente à Matéria: Declaração Universal dos Direitos Humanos; C.F. (Constituição da República Federativa do Brasil); C.C. (Código Civil); C.L.T. (Consolidação das Leis do Trabalho); E.C.A. (Estatuto da Criança e do Adolescente); C.D.C. (Código de Defesa do Consumidor); Portaria Interministerial n. 796 de 29 de Maio de 1992;* Projeto de Lei n. 2.843, de 1992, que dispõe sobre os direitos básicos dos portadores do vírus da AIDS e dá outras providências. 6. Discriminação Justa e Injusta. Discriminação Positiva e Negativa. 7. Discriminações Injustas aos Portadores do Vírus HIV. 7.1. A Política Americana de Prevenção e Controle da AIDS e os Direitos Humanos. 7.2. O Artigo 14 da Convenção Européia de Direitos Humanos em Face da Luta Contra a AIDS e a Discriminação. 8. O Dano Material e o Dano Moral Advindos da Discriminação Injusta. 9. Bibliografia. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho é desprovido da intenção de abordar todos os aspectos jurídicos concernentes à AIDS. Com efeito, a epidemia do século tem trazido grandes polêmicas ao mundo jurídico, principalmente quando as medidas de prevenção e combate à AIDS engendradas pelos profissionais da saúde confrontam-se com os objetivos e princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, além dos fundamentos basilares das convenções internacionais.
Destarte, centraliza-se nosso estudo nos danos decorrentes das discriminações e estigmas que afetam os já mencionados princípios, no que tange ao campo da responsabilidade civil. Deveras, diante da vastidão do tema "responsabilidade civil", que apresenta liames em todos os ramos do direito, não abrange esta singela obra toda a temática voltada para a sua teoria, mas apenas e tão-somente, ao que concerne aos danos causados por discriminações injustas aos portadores do vírus HIV, bem como às pessoas que com eles se relacionam, em total desrespeito aos valores supremos de nosso ordenamento jurídico, tais quais a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade e acima de tudo a JUSTIÇA.
2. BREVE HISTÓRICO DA AIDS As epidemias têm sido uma constante na história da humanidade. Como exemplo disso, tivemos a peste negra ou bubônica que levou a óbito um terço da população européia, em meados do século XIV. Posteriormente, surgiu a gripe pandérmica, o cólera, e hodiernamente enfrentamos a AIDS. Em 1981 descobriu-se a AIDS nos guetos homossexuais de Nova Iorque, São Francisco e Los Angeles, dentre outras grandes cidades norte-americanas e concomitantemente em uma população haitiana a qual apresenta elevado índice de meretrício. A partir daí foram se revelando casos e mais casos da síndrome nas mais diversas partes do mundo. No Brasil, teve-se conhecimento da AIDS pela primeira vez em 1983, quando se registrou o primeiro caso autóctone em São Paulo, sendo certo que ocupamos hoje o primeiro lugar no ranking dos países latino-americanos, em número de casos de pessoas infectadas pelo vírus HIV. Urge ressaltar que, muito embora a AIDS tenha se verificado inicialmente entre homossexuais, usuários de drogas injetáveis e pacientes submetidos a múltiplas transfusões de sangue, detecta-se atualmente que a síndrome pode alcançar qualquer pessoa, independentemente de idade, raça, nacionalidade, sexo, estado clínico e hábitos sexuais. Até o presente momento os avanços da medicina ainda não encontraram um tratamento eficaz para esse letal colapso do sistema imunológico, consignando-se apenas alguns raros casos de portadores do HIV que têm longa sobrevida, denominados Long Term Survivers. De acordo com o infectologista do Hospital do Servidor Público Estadual, João da Silva Mendonça, "existe na cidade de São Francisco, E.U.A., um grupo de indivíduos com maior tempo de infecção pelo HIV, com registro científico, que não apresenta doenças oportunistas. Este grupo está sendo acompanhado há 13 anos e oito meses e até junho passado 32% deles ainda não estavam doentes, equivalendo a 1/3 dos infectados".(1)
3. ORIGEM DO VÍRUS HIV NO HOMEM Segundo informações trazidas por Wildney Feres Contrera, coordenadora do GAPA (Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS), entidade não-governamental, de base comunitária, apoiada principalmente pela Ford Foundation, Levi Strauss Foundation e pela O.M.S (Organização Mundial de Saúde), em curso intitulado "A AIDS e o Direito", realizado em outubro de 1992, no Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, várias teorias existem sobre o aparecimento do vírus HIV no organismo humano. Uma delas é a de que o vírus tenha sido transmitido pelo "macaco verde" que habita a África, seja através de relações sexuais que jovens africanos com eles mantinham no período que antecedeu o neo-colonialismo europeu naquele continente, seja por meio de um costume tribal em que se cortava o tampo da cabeça daquele macaco ainda vivo para se comer o seu cérebro quente, não se sabendo, assim, se o vírus penetrou o organismo daqueles africanos através do sangue ou do sêmen. Por conseguinte, quando os colonizadores foram expulsos do País, eles já haviam tido contacto com esta população infectada, disseminando o vírus em outros países. Outra teoria descreve a transmissão do vírus mediante experimentos da vacina da poliomielite no referido macaco. Inicialmente cultivava-se o vírus no rim do chimpanzé asiático. No entanto, este estava em extinção, o que levou a transferência dos experimentos para o "macaco verde". As primeiras vacinas não foram intencionalmente infectadas e aplicadas na África Central, de onde o vírus se expandiu para o resto do mundo. Os pesquisadores responsáveis eram procedentes dos Estados Unidos, França e África, dentre outros países. A par dessas teorias, aproximadamente em 1990 descobriu-se a presença do vírus HIV em tecidos de um marinheiro morto em 1940, o qual foi congelado na época, por apresentar sinais da doença e a presença de anticorpos que até então se desconhecia, para que fosse, futuramente, com o avanço da Medicina, objeto de estudos. Daí a existência do vírus no organismo humano vir de 20 a 100 anos. Por fim, deve-se mencionar que não se descarta a hipótese do vírus em questão ter sido introduzido no organismo humano com o intuito de desencadear uma guerra biológica. Durante a 9ª Conferência Internacional de AIDS, ocorrida em 1993, em Berlim, o clínico americano Paul Wallerstein, que defende uma visão diferenciada da teoria oficial sobre a AIDS, sustentou a tese de que trata-se de uma doença eminentemente política, chegando a afirmar que a descoberta do HIV gerou desentendimento entre os pesquisadores no tocante aos lucros financeiros em questão.
4. INFORMAÇÕES GENÉRICAS SOBRE A AIDS A AIDS é uma infecção viral que reprime, e, no estágio mais avançado, destrói o sistema imunológico do organismo. Esse vírus comumente conhecido por HIV (Human Immunodeficiency Virus), que na língua portuguesa se denomina VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana), age invadindo e matando os glóbulos brancos, chamados T lymphocytes (T-cells) ou linfócitos do tipo T, presentes na corrente sanguínea. Conseqüentemente, doenças que raramente afetariam pessoas com o sistema imunológico perfeito, podem debilitar e ser fatais às pessoas infectadas com o HIV. Trata-se das infecções oportunísticas, que podem ser de vários tipos. Existem três estágios de progressão após a contaminação pelo vírus HIV. 1) seropositiv ou soropositivo. 2) AIDS related complex (ARC) ou complexo relacionado ao AIDS ou pré-AIDS. 3) full-blown AIDS. No estágio soropositivo a pessoa foi contaminada com o vírus HIV, o qual permanece em estado dormente em algumas células T. Enquanto a mera infecção com o HIV pode não trazer algum ou pequenos impactos adversos na saúde da pessoa, a longo tempo o vírus pode causar demência ou outra perturbação mental. Ainda assim, essa pessoa pode não apresentar os sintomas dos dois últimos estágios. A pessoa soropositiva pode transmitir o vírus. No estágio ARC evidencia-se a ativação do vírus na célula T infectada, causando pequenos e médios danos no sistema imunológico do organismo. Os pacientes de ARC apresentam alguns sintomas sugestivos da síndrome, mas não manifestam complicações secundárias, inclusive infecções de doenças oportunistas. Os sintomas incluem excessiva perda de peso, transpiração noturna etc. Para alguns, esses sintomas são apenas incômodos e irritantes, enquanto que para outros podem ser seriamente debilitantes. A AIDS é o último estágio de progressão, o mais sério e fatal, na maioria e talvez em todos os casos. O sistema imunológico sofre um grande colapso e o organismo é invadido por um exército de infecções e malignicências. Constituem manifestações indicativas da AIDS: "adenomegalia generalizada, emagrecimento rápido e extremo, sudorese à noite, infecções respiratórias repetidas, diarréias intensas e candidíase oral. Demarcaram-se também os quadros clínicos sobrevindos em conexão com a queda das defesas imunológicas, o sarcoma de Kaposi, a pneumonia pneumocística de Carini e outras doenças oportunísticas, desenvolvidas pela queda da resistência orgânica..."(2) A transmissão do vírus HIV requer uma mistura de fluidos corpóreos. Embora já se tenha verificado a presença do vírus HIV em fluidos como a saliva, a lágrima, a urina, as evidências epidêmicas demonstram a transmissão apenas através de sangue e sêmen infectados. De fato, as três formas mais comuns de transmissão do vírus são o contato sexual, a transfusão de sangue e o contágio por seringas infectadas. Contudo, pode ocorrer também a transmissão vertical, de mãe para filho, durante a gestação ou por ocasião da amamentação, sendo de 33% a probabilidade de transmissão do HIV por essa forma. Não se detectou nenhum caso de contágio em pessoas que convivem com portadores do HIV, compartilhando toalhas, escovas de dente, camas, banheiros, utensílios de cozinha e mesmo através de contatos mais íntimos como beijo. Em síntese, não existe contágio mediante contato social.
5. LEGISLAÇÃO PERTINENTE À MATÉRIA Há ampla legislação proibitiva de qualquer forma de discriminação e desrespeito aos princípios de igualdade, justiça, liberdade e dignidade do Homem, tanto a nível constitucional, como infra e supra-constitucional, que de forma genérica estão a agasalhar os portadores do vírus da AIDS. A Declaração Universal dos Direitos do Homem reconhece solenemente a dignidade da pessoa humana, como base da liberdade, da justiça e da paz (grifo nosso). A Constituição Federal de 1988, em seu Preâmbulo, dispõe que o Estado Democrático instituído destina-se "a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos..." (grifo nosso). Após, quando trata "Dos Princípios Fundamentais", assim dispõe no inciso III do artigo 1º:
E ainda, no inciso IV do artigo 3º e no inciso II do artigo 4º:
Assim, conforme se depreende dos dispositivos constitucionais ora transcritos, a prevalência dos direitos humanos, o princípio da não- discriminação, da isonomia e os ideais de justiça, bem como a dignidade do ser humano são exaltados pela Lei maior, devendo pois se fazer valer. Além dos já mencionados preceitos constitucionais, o famigerado artigo 5º, que versa sobre "Direitos e Garantias Individuais", reafirma no caput o Princípio da igualdade e da não-discriminação, além de assegurar indenização por dano material, moral ou à imagem no caso de violação aos bens jurídicos tutelados.
A seguir, tratando dos Direitos Sociais, visando mais uma vez assegurar a dignidade do ser humano, foi minucioso o legislador ao elencar cada um deles, no artigo 6º, nos seguintes termos:
E ainda, com o intuito de proteger a relação de emprego, assim prescreve nos incisos I e XXXI, do artigo 7º:
Em suma, os preceitos constitucionais enfocados visam, em última análise, dar guarida, de modo genérico, a todo e qualquer indivíduo, nacional ou estrangeiro, naturalizado ou não, que se encontre em Território Nacional sob a égide de nosso ordenamento jurídico; e consequentemente abarca situações específicas como a dos portadores do vírus HIV, os quais devem ter sua dignidade respeitada. Afora isso, tratou também, o legislador na "Organização do Estado", de estabelecer a competência legislativa e a competência material para a proteção das pessoas portadoras de deficiência. É oportuno salientar que a AIDS é considerada uma deficiência orgânica, enquadrando-se pois seus pacientes em todos os dispositivos que se refiram a portadores de deficiência. Cabe transcrever aludidos dispositivos:
O legislador constitucional procurou também garantir a não- discriminação das pessoas portadoras de deficiência nos empregos públicos, conforme se verifica, nos termos do inciso VIII do artigo 37:
E ainda, tratando da "Ordem Social", procurou assegurar a integração do deficiente à vida comunitária e a garantia de um salário mínimo como auxílio mensal, nos casos em que o deficiente não tiver como se manter. A saber:
Por fim, buscou o legislador assegurar a todos o direito à educação em igualdade de condições, reforçando mais uma vez o Princípio da Igualdade. É o que se depreende dos seguintes dispositivos:
O Código Civil, por sua vez, estabelece a regra geral da responsabilidade civil aquiliana, onde se deve demonstrar a culpa, no artigo 159. Cabe transcrevê-lo:
Esse preceito legal combinado com alguns dos já apontados dispositivos constitucionais constituem o fundamento jurídico das ações de indenização por dano moral e/ou material decorrentes da violação daqueles direitos e garantias. A discriminação que configurar hipótese de injúria ou calúnia impõe a aplicação do artigo 1.547, a seguir transcrito:
A Consolidação das Leis do Trabalho, visando proteger a relação de emprego e coibir a despedida derivada de discriminações, onde se enquadra com relação ao portador do vírus HIV, elenca inúmeros artigos que estabelecem o quantum da indenização, conforme os que se seguem:
Paralelamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo especial proteção do menor de 21 anos, apresenta diversos artigos que reforçam os já mencionados dispositivos constitucionais, dando especial ênfase à garantia do acesso ao ensino. É mister que se transcreva alguns dos principais artigos, a saber:
De outra parte, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor dita como objetivo da política nacional das relações de consumo, dentre outros, o respeito à dignidade do consumidor, nos seguintes termos:
A Portaria Internacional n. 796 de 29 maio de 1992, dos Ministérios da Educação e da Saúde, com o intuito de coibir a discriminação, determina que:
Por fim, há ainda uma portaria que proibe a exigência do exame anti-HIV na contratação de funcionários públicos federais. Uma vez analisada a Constituição Federal, o Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, é oportuno que se mencione a existência de um projeto de lei, elaborado para a defesa dos direitos dos portadores do vírus da AIDS, em trâmite no Congresso Nacional.
PROJETO DE LEI N. 2.843, DE 1992 (Do Sr. Dep. Geraldo Alckmin Filho)
JUSTIFICAÇÃO Hoje, no Brasil, a AIDS não mais pode ser ignorada, é um problema de grandes proporções para os profissionais de saúde, educadores, pais e para a sociedade em geral. E uma tal realidade não pode ser desconhecida do legislador. O nosso País, apesar de ocupar lugar de destaque entre aqueles com maior número de portadores do vírus, não possui ainda, infelizmente, qualquer legislação na matéria. É hora, pois, de enfrentar os problemas jurídicos que a AIDS coloca para todos os cidadãos, independentemente de seu sexo, faixa etária, grupo social ou preferência sexual. Como muito bem esclarece Haroldo Hirsh, "Os problemas legais associados com a AIDS continuam a crescer como a própria epidemia. Pelo menos setenta e sete nações já promulgaram algum tipo de legislação cuidando da matéria. Nos Estados Unidos, as respostas do governo para a epidemia são uma mistura de medidas legislativas destinadas a equilibrar os direitos civis daqueles infectados pelo HIV com os direitos dos ainda não contaminados". O nosso projeto visa, portanto, dentro de uma perspectiva de valorização do direito à intimidade do cidadão, preencher a lacuna do ordenamento jurídico brasileiro, elencando direitos básicos para o portador de AIDS, estabelecendo, ademais, regras de implementação desses mesmos direitos, bem como criando um sistema de sanções penais e civis para sua violação.
6. DISCRIMINAÇÃO JUSTA E INJUSTA. DISCRIMINAÇÃO POSITIVA E NEGATIVA O termo "discriminar" significa estabelecer diferença, distinguir, separar, extremar (Novo dicionário brasileiro da lingua portuguesa,de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira). A idéia de discriminação está ligada às noções de igualdade ou isonomia, e deve sempre ser analisada juntamente com a finalidade do discrímen. A natureza física do homem, ora débil, ora forte, a estrutura psicológica humana, ora dominante, ora submissa, e as próprias estruturas políticas e sociais, dentre outros fatores, fazem com que, às vezes, seja necessário ao ordenamento jurídico impor normas que equacionadas façam desaparecer essas desigualdades. Quando isso ocorre diz-se que a discriminação é justa e portanto constitucional ou legal, conforme sua previsão. Por outro lado, as discriminações não-autorizadas e que ferem os direitos e garantias dos cidadãos, colocando-os em pé de desigualdade com relação a outros, são injustas. Dá-se discriminação positiva quando se conferem vantagens adicionais a determinada pessoa ou grupo de pessoas, vantagens essas não-autorizadas. Em contrapartida, a discriminação negativa é aquela que coloca um indivíduo em situação de desvantagem com relação aos outros. A discriminação positiva pode ser justa ou injusta. A discriminação negativa será sempre injusta.
7. DISCRIMINAÇÃO AOS PORTADORES DO VÍRUS HIV A discriminação e o estigma que se tem lançado sobre os portadores do vírus HIV, causador da AIDS, sejam eles sintomáticos ou assinto-máticos, bem como às pessoas que com eles convivem, se dá a nível mundial. Essa discriminação decorre de uma série de fatores e encampa outros preconceitos, como, por exemplo, aquele que se tem com relação aos homossexuais. Com efeito, alguns sociólogos consideram que se todos os grupos sociais houvessem desde o início sido igualmente atingidos pela AIDS, a discussão e o controle da síndrome seriam diferentes. Por infortúnio, porém, ela surgiu entre grupos de homossexuais, tendo se desenvolvido no início dos anos 80 na África, Caribe e entre minorias étnicas dos E.U.A. (San Francisco, Los Angeles e New York). Desde o início da epidemia, muitos segmentos da sociedade culparam e ainda culpam os homossexuais por terem iniciado e propagado a AIDS devido à sua "moral decadente". Houve mesmo desinteresse com relação à "enfermidade de marginais", o que colaborou para a sua rápida disseminação. A par desse preconceito com relação aos homossexuais, encontram-se arraigados à discriminação a falta de informação aliada ao medo. Há ainda quem atribua à AIDS a ira divina sobre os homossexuais, drogados ou prostitutas. Tem-se cometido, no mundo inteiro, inúmeros abusos, tais como a negação de moradia, de escola, de emprego e até de sepultura a adultos e crianças, diante da simples suspeita de serem eles portadores do vírus HIV. Paralelamente, há vários casos de trabalhadores do setor da saúde que têm se negado a atender os portadores do vírus HIV. Várias empresas têm despedido os empregados portadores desse vírus. E ainda, algumas companhias de seguro têm se recusado a emitir apólices a pessoas que simplesmente residem em zonas frequentadas por homossexuais. Enfim, estes abusos têm se perpetrado apesar de serem declarados ilegais. Poucos são os países cujas leis proíbem especificamente a discriminação fundada na existência do HIV ou da AIDS. Países como Alemanha, Bélgica, Rússia entre outros, em notórios exemplos de discriminação, têm exigido o exame anti-HIV de estudantes estrangeiros que lá queiram estudar. O mesmo se dá com os solicitantes de visto permanente e os estrangeiros que pedem permissão de residência nos E.U.A..
7.1. A POLÍTICA AMERICANA DE PREVENÇÃO E CONTROLE DA AIDS E OS DIREITOS HUMANOS Os mecanismos de controle e prevenção da AIDS que se tem implementado ou tentado implantar nos Estados Unidos têm causado grande questionamento à vista dos direitos fundamentais do ser humano. Tais mecanismos subsumem-se em segregação (quarantine), impedimento de freqüentar escolas públicas e proibição de desempenhar determinadas ocupações. Estas restrições à liberdade dos cidadãos infectados pelo vírus HIV se choca com o princípio da igualdade.
7.2. O ARTIGO 14 DA CONVENÇÃO EUROPÉIA DE DIREITOS HUMANOS EM FACE DA LUTA CONTRA A AIDS E A DISCRIMINAÇÃO Os governos dos países europeus têm tomado diversas medidas destinadas a combater a expansão da AIDS, tornando-se uma constante o desrespeito aos direitos do homem. Os Ministros britânicos do Interior e da Saúde declararam que a entrada naquele território deveria ser interditada às pessoas soropositivas, deixando à responsabilidade dos portos e aeroportos a aplicação da medida. Em 21 de abril de 1987, o Ministro da então Alemanha Ocidental autorizava a polícia das fronteiras a impedir a entrada na R.F.A. dos estrangeiros suspeitos de estarem com o vírus da AIDS. Na Itália e na Alemanha, numerosos são os empregos públicos cuja obtenção está subordinada ao resultado negativo do teste HIV. O oficial da Saúde da Alemanha pode requisitar informações dos parceiros sexuais dos portadores do vírus. Na Noruega, a AIDS está elencada no rol das doenças sujeitas ao regime de declaração nominal obrigatória. As medidas de isolamento dos soropositivos não são raras. Assim, o oficial da Saúde alemão pode determinar o isolamento dos soropositivos suspeitos de conduta que coloca em perigo outras pessoas. Na Bélgica, um diretor de prisão confinou momentaneamente em um quarteirão os prisioneiros soropositivos. Reprisadamente, crianças soropositivas têm sido rejeitadas em escolas em razão de atitude hostil manifestada pelos pais de outros alunos. Determinadas seguradoras aumentam seus preços ou se recusam a concluir seus contratos com os portadores do vírus. O corpo médico tem desrespeitado o segredo profissional, aumentado seus honorários ou simplesmente se recusado a prestar assistência sanitária às pessoas contaminadas pelo vírus da AIDS.
8. O DANO MATERIAL E O DANO MORAL ADVINDOS DA DISCRIMINAÇÃO INJUSTA Como se verifica dos dispositivos a propósito transcritos, é farta a legislação constitucional e infraconstitucional que no direito brasileiro está a proteger os mais íntimos direitos do Homem, quais sejam os direitos da personalidade, como o direito à intimidade, à vida privada e outros que visam resguardar a dignidade da pessoa humana. A proteção desses direitos é consagrada na quase totalidade das civilizações desenvolvidas e em desenvolvimento, tendendo à universalização. É nesse sentido que a Lei Fundamental da Alemanha enuncia que "a dignidade do ser humano é inatingível. Respeitá-la e protegê-la é dever de todo poder estatal. O povo alemão reconhece, por conseguinte, os invioláveis direitos do homem como fundamento da comunidade humana, da paz e da justiça no mundo. Os direitos fundamentais que se seguem vinculam o legislador, o Poder Executivo e o Judiciário como Direito imediatamente vigente". A Constituição Italiana também garante "os direitos invioláveis do homem, seja como indivíduo, seja nas formações sociais em que se desenvolve a sua personalidade". Prevê ainda a igualdade tanto em dignidade como perante a lei, entre todos os homens, trazendo como objetivo daquela República a remoção de "obstáculos de ordem econômica e social que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política econômica e social do país". Assim também, a Constituição Lusitana declara que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes". Igualmente, a Constituição da Espanha proclama que "la dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeito a la ley a los derechos de los demás son fundamento de ordem político y de la paz social". E ainda: "las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la Declaración Universal de Derechos Humanos y los Tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificadas por España". Não há que se olvidar que o ataque a esses direitos tem se efetivado à luz dos exemplos ora trazidos de situações concretas em que tem ocorrido a discriminação, seja aos pacientes de AIDS, da ARC, aos assintomáticos e mesmo aos seus familiares ou quem quer que com eles tenham alguma ligação. Diante desse quadro é evidente o dano que dessa situação emerge, seja de natureza moral ou material (na maioria das vezes ambos conjuntamente), e impõe-se a sua reparação. Nosso ordenamento jurídico tutela a indenização correlata ao dano causado, a qual deve ser apurada caso a caso. Seguindo-se a teoria da responsabilidade civil, que busca a restauração do patrimônio lesado, assim como a compensação ou minimização dos danos de ordem moral sofridos pela vítima em seus direitos da personalidade, dentre outros, deve o lesado, através de ação própria, buscar a sua indenização. O dano advém do próprio fato violador da norma jurídica que causou dor, aflição, constrangimento ou outro sentimento negativo (dano moral), ou decréscimo do patrimônio do lesado.
9. BIBLIOGRAFIA
WATERS, Peter. The converage of AIDS - related discrimination laws: the US and Australia compared. The Sydney Law Review, v. 12, n. 2-3. ___________ (1) Revista Dignitas Salutis, n. 13, p. 34, out./nov. 1993.(2) LACAZ, Carlos da Silva. AIDS. Aspectos latrofilosóficos. Infecções oportunísticas associadas. Prefácio. |