Superior Tribunal de Justiça

Defensoria Pública – Intimação Pessoal em todas as Instâncias. Artigo 128, I, da Lei Complementar n. 80/1994

Ação Rescisória n. 745 – São Paulo

Relator: Ministro Felix Fischer

Revisor: Ministro Gilson Dipp

Autor: Maria Isabel de Abreu Carlos

Advogado: Wagner Giron de La Torre – Defensor Público

Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Paola Aires Correa Lima e outros

Ementa: Ação rescisória. 485, V, do CPC. Defensor público. Intimação pessoal. Lei Complementar n. 80/94. Error in procedendo. Prejuízo.

I – O Defensor Público deve, nos termos do artigo 128, inciso I, da Lei Complementar n. 80/94, ser intimado pessoalmente para os atos do processo. Formalidade afeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa que, quando da intimação para o oferecimento de contra-razões ao recurso especial, não foi observada.

II – Os errores in procedendo, conforme assinalam a doutrina e a jurisprudência, podem ser pressupostos para rescisão do julgado nos termos do artigo 485, V, do CPC.

III – Existência de prejuízo para parte, pois o recurso especial da autarquia, contra o qual não se ofertou contra-razões, foi acolhido neste Tribunal. Resultado que poderia, se respondido o apelo, ser outro.

Ação rescisória procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por maioria, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do voto do Ministro Relator. Votaram de acordo os Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Fernando Gonçalves. Vencido o Ministro Fontes de Alencar. Impedido o Ministro Jorge Scartezzini. Ausentes, justificadamente, os Ministros Vicente Leal e Edson Vidigal. Ausente, por motivo de licença, o Ministro William Patterson.

Brasília, 14 de junho de 2000 (data do julgamento)

Ministro José Arnaldo da Fonseca

Presidente em exercício

Ministro Felix Fischer
Relator

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Ministro Felix Fischer: Trata-se de ação rescisória ajuizada por Maria Isabel de Abreu Carlos, com fulcro no artigo 485, V, do CPC, objetivando rescindir acórdão proferido pela e. 6a Turma deste Tribunal, quando do julgamento do REsp n. 117.831/SP, sumariado nos seguintes termos:

"Previdenciário. Aposentadoria de trabalhador rural. Prova exclusivamente testemunhal. Súmula 149.

1. ‘A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação de atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário’.(Súmula n. 149/STJ)

2. Recurso conhecido e provido."

A autora informa que obteve, na qualidade de trabalhadora rural, junto às instâncias ordinárias, sua aposentadoria por idade que, posteriormente, neste Tribunal, por força de provimento e apelo interposto pelo INSS, lhe foi retirada.

Alega, contudo, que seu patrono não fora intimado pessoalmente para o oferecimento de contra-razões ao recurso especial, bem como para os demais atos que se sucederam, formalidade que deveria ser observada por se tratar de parte assistida por Defensor Público integrante do quadro da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

Ocorre daí, no seu entender, nulidade por violação ao artigo 5o , LXXIV e 134 da Constituição Federal, bem como ao artigo 128, I, da Lei Complementar n. 80/94, de seguinte teor:

"Artigo 128 – São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

I. receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhes em dobro todos os prazos;"

Ao final, com amparo no acima aduzido, postula a rescisão do julgado e que seja oportunizado o oferecimento das contra-razões, seguindo-se o feito com observância à necessidade da intimação pessoal do seu defensor.

O INSS, regularmente citado, pugnou pela improcedência da rescisória por entender não ser adequado o meio utilizado pela parte para rescisão do acórdão.

A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pela improcedência da ação, sustentando não ser caso de reconhecer a nulidade apontada em face da inexistência de prejuízo para parte.

É o relatório.

Ao eminente Ministro Revisor (art. 35, I, RISTJ).

 

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Ministro Felix Fischer: o pedido merece acolhida.

Inicialmente, considero ser a rescisória, in casu, perfeitamente cabível.

Com efeito, o patrono da autora não foi pessoalmente intimado para o oferecimento de contra-razões ao recurso especial, o que vai contra expressa previsão legal constante no artigo 128, inciso I, da Lei Complementar n. 80/94. Leia-se:

"Artigo 128 – São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado , dentre outras que a lei local estabelecer:

I. receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhes em dobro todos os prazos;"

Verifica-se, pois, que formalidade essencial, pertinente aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não foi observada.

Os errores in procedendo, indiscutivelmente, conforme assinalam a doutrina e a jurisprudência, podem ser pressupostos para rescisão do julgado nos termos do artigo 485, V, do CPC.

Ensina o insuperável mestre Pontes de Miranda (Tratado da ação rescisória, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 1998, p. 308):

"A infração das regras de direito processual, errores in procedendo, desde que fira norma de lei não puramente instrucional (se as há) e sempre que a parte poderia ter mais exata apreciação judicial e mais justa decisão se infração não tivesse havido, é pressuposto suficiente do artigo 485, V. O que importa, aí, é ser imaginável a relevância prática da regra legal como processo técnico para se chegar à decisão justa. Não há, pois, separação de valor entre a regra de direito processual e a de direito material, se a lei mesma, excepcionalmente, não concebeu a regra como ‘recomendação’ (erro de técnica do legislador), ou de ‘arbítrio puro’. Aliás, as regras jurídicas de arbítrio puro são raríssimas; e as próprias regras jurídicas de arbítrio judicial permitem que se veja se a lei foi atendida em tese."

Também não prospera a argumentação tecida pelo culto representante do Ministério Público Federal da inexistência de prejuízo para parte.

O recurso especial da autarquia, contra o qual não se ofertou contra-razões pelos motivos elencados, foi acolhido neste Tribunal, resultado que poderia, se respondido o apelo, ser outro. Afinal, a então recorrida, ex hipotesis, teria a oportunidade de alertar o e. colegiado acerca da existência de certidão de casamento referindo-se ao seu marido como lavrador, o que, segundo orientação desta Corte, constitui-se em início razoável de prova material para efeitos de comprovação da atividade de rurícola, alterando, dessa forma, possivelmente, o enfoque da decisão rescindenda.

Assim, voto pela procedência do pedido inicial para cassar o acórdão rescindendo, determinando-se o retorno do feito ao E. TRF da 3a Região para que intime pessoalmente o defensor para oferecimento das contra-razões, prosseguindo-se como de direito.

Condeno, ainda, o réu ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.

VOTO-REVISOR

O Excelentíssimo Senhor Ministro Gilson Dipp:

Consoante se verifica dos autos, a autora vem ao juízo rescisório apontando como violado o artigo 128, I da Lei Complementar n. 80/94, em razão de a Defensoria Pública não haver sido intimada pessoalmente para contra-arrazoar recurso especial, cujo acórdão é hostilizado neste juízo rescisório. Assim, a fl., fundamenta o pleito no artigo 485, V do CPC (violação literal de lei). Pede, em aditamento à exordial, o rejulgamento da causa, dado o inconformismo com o aresto antes indicado, que aplicou à espécie o verbete da Súmula n. 149/STJ.

Contestando o pleito, a autarquia-ré alega, preliminarmente, a impropriedade da rescisória para buscar-se a anulação do julgado e, no mérito, afirma a perfeita legalidade do acórdão rescindendo, porquanto escorado na Súmula n. 149 desta Eg. Corte, que inadmite a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação da atividade rurícola, com vistas à obtenção de benefício previdenciário.

O parecer do Ministério Público Federal, embora reconhecendo a violação do artigo 128, I da LC n. 80/94 – por ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública para contra-arrazoar o recurso especial – entendeu ausente prejuízo que justificasse o provimento do pedido rescisório, ao argumento de que "(...) de fato, mesmo que desfeitos os atos viciados, a ação julgada com o mesmo fundamento atual, visto ser princípio sumulado nesta Corte, sob n. 149, que a simples prova testemunhal não se presta a comprovar atividade rurícola (...)."

O cerne da questão pertine à necessidade de intimação pessoal da Defensoria Pública para todos os atos do processo. Na espécie, como induvidosamente registrado nos autos, aquela r. instituição não foi intimada pessoalmente para as contra-razões ao recurso especial, sendo tão-somente pela imprensa. É evidente a ofensa à expressa determinação da LC n. 80/94 e da Lei n. 1.060/50, textual:

"Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

I- receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos;" (LC n. 80/94)

"Art. 5º - (...)

§ 5º - Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhe em dobro todos os prazos (...)." (Lei n. 1.060/50).

É nesse sentido a jurisprudência da Corte (REsp
n. 185.642/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU, de 7.12.1998; EDREsp n. 11.973/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, de 30.5.1994; RMS n. 9459/PB, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU, de 13.12.1999).

Ante o exposto, comprovada a literal violação de lei, julgo procedente o pedido para, rescindindo o acórdão lavrado no REsp n. 117.831/SP, reconhecer o direito de a Defensoria Pública ser intimada pessoalmente para as contra-razões ao recurso especial, devendo, a partir deste ato, prosseguir regularmente o processo.

Custas ex lege.

Honorários advocatícios de 10% do valor da condenação.

É como voto.

 

VOTO

O Senhor Ministro Fernando Gonçalves: Senhor Presidente, voto acompanhando o Senhor Ministro-Relator.

Julgo procedente a ação rescisória.

Presidente o Senhor Ministro José Arnaldo da Fonseca

Relator o Senhor Ministro Felix Fischer

 

VOTO-VISTA (VENCIDO)

O Excelentíssimo Senhor Ministro Fontes de Alencar:

Senhor Presidente, trata-se de uma ação rescisória proposta por um assegurado, visando desconstituir acórdão de uma das Turmas desta Seção, ao fundamento do artigo 485, V, do Código de Processo Civil, porque o seu defensor – defensor público – não teria sido pessoalmente intimado para oferecer contra-razões. Então, o eminente Ministro Felix Fischer acolheu a rescisória ao fundamento de que o error in procedendo também comporta o ataque via ação rescisória.

De minha parte, não tenho dúvida em aderir à tese de que o error in procedendo não está afastado do alcance da ação rescisória. Todavia, no caso presente, tenho que um erro ensejador de rescisória ocorreu no acórdão que se busca desconstituir. Se verdadeira alegação, o fato acontecido antes de o recurso especial chegar a esta Corte, além disso, a não concessão do prazo para contra-arrazoar teria ocorrido num Tribunal de Segundo Grau. Esse vício, se verdadeiro, não pode servir de suporte, de fundamento, para rescindir o acórdão de Turma do Superior Tribunal de Justiça, que não praticou ou deixou de praticar ato que lhe era devido. Ou seja, se verdadeira a alegação, o fato praticado, a omissão do ato que deveria praticado ser, teria acontecido num Tribunal de Segundo Grau. Evidentemente que não me parece razoável desconstituir-se um acórdão de Turma do STJ, para que os autos voltem à instância ordinária, e esta abra oportunidade a contra-razões de recurso especial, e, novamente, os autos venham ao STJ. Salvo engano de minha parte, foi isso que entendi dos dados da causa. Por isso, considero inadmissível a ação rescisória de acórdão deste Tribunal, ainda que eventualmente tenha realmente ocorrido a falha no curso do procedimento do Tribunal de Segundo Grau.

É o meu voto, Senhor Presidente, data venia do eminente Ministro-Relator.