A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DO DISTRITO FEDERAL NA CONSTITUIÇÃO

Robson Flores Pinto*

 

Sumário: 1. Introdução. 2. O Distrito Federal na Constituição de 1988. 3. Competência tributária. 3.1. Aspectos gerais. 3.2. A Constituição como fonte exclusiva das competências tributárias. 3.3. A definição. 3.4. Do exercício e das limitações da competência tributária. 3.5. A repartição constitucional das competências tributárias. 3.6. Características da competência tributária. 3.6.1. Privatividade. 3.6.2. Inde-legabilidade. 3.6.3. Incaducabilidade. 3.6.4. Inalterabilidade. 3.6.5. Irrenunciabilidade. 3.6.6. Facultatividade de exercício. 3.6.7. Conclusão parcial. 4. O princípio federativo e a competência tributária. 4.1. Notas preliminares. 4.2. Federação: conceito e peculiaridades. 4.3. A Federação brasileira. 4.4. O princípio federativo e sua importância no Brasil. 4.5. As competências do Distrito Federal. 5. A competência tributária do Distrito Federal. 5.1. A competência do Distrito Federal para criar taxas e contribuições. 6. Conclusões.

 

1. Introdução

Com o advento da Constituição de 5 de outubro de 1988, pela primeira vez no Brasil, desde 1891, o Distrito Federal deixou de ser apenas a sede administrativa do Governo Federal para assumir o status de pessoa política, vale dizer, de pessoa jurídica dotada de capacidade de auto-organizar-se. Essa significativa alteração no cenário de nossa Federação refletiu-se com intensidade e importância no sistema constitucional tributário, porquanto a Lei Suprema outorgou ao Distrito Federal, através de sua Câmara Legislativa, competência tributária para criar, in abstrato, variada gama de tributos (impostos, taxas e contribuições), ora pertencentes aos Estados-membros e ora aos Municípios (cf. arts. 32 § 1º, 145, 147 in fine, todos da CR).

É sobre essas competências que versa o presente trabalho.

Para tanto, vejamos em apertada síntese o novo delineamento do Distrito Federal, traçado pela Carta Política de 1988.

 

2. O Distrito Federal na Constituição de 1988

Após a promulgação da Constituição de 1988, o Distrito Federal passou a gozar da mais ampla autonomia, autogovernando-se através de leis e autoridades próprias.

Autonomia, lembramos, é a faculdade que tem um ente público de organizar-se juridicamente, criando um direito próprio. No Brasil é autônoma a pessoa jurídica de direito público que pode legislar.

Portanto, a autonomia pressupõe a competência legislativa.

De fato, agora o Distrito Federal tem Executivo, Legislativo e Judiciário próprios, independentes e harmônicos entre si. Seu Governador, seu Vice-Governador, Deputados (Distritais e Congressuais) e Senadores são eleitos pelos cidadãos que nele habitam, por meio de voto direto, secreto, universal e periódico, a teor do disposto no artigo 32 § 2º da CR. Os Deputados Distritais se reúnem em Câmara Legislativa, que tem inclusive competência para criar o ordenamento jurídico local. Ademais, possui Tribunais e Juízes próprios, que gozam de todas as prerrogativas da Magistratura constitucionalmente asseguradas, a saber: vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos etc.

A par disso, o Distrito Federal participa da formação da vontade política nacional, elegendo, para tanto, Deputados Federais, que representarão no Congresso Nacional a vontade dos cidadãos do Distrito Federal e Senadores (representantes dele próprio, na Câmara Alta), ex vi do disposto no artigo 45 e 46 § 1º da Constituição da República.

Sobreleva notar, assim, que o Distrito Federal, após a promulgação da Constituição de 1988, foi alçado à categoria de "entidade pública territorial", não só dotada de autonomias administrativa, legislativa e judiciária, como também de autonomia constitucional. É hoje, tal como a União, Estados e Municípios, autônomo politicamente. Titulariza competências próprias; legisla sobre elas e as administra por meio de autoridades próprias1.

Ademais, o Distrito Federal passou a ter um ordenamento constitucional próprio, livremente elaborado por sua Assembléia Legislativa e revisável somente por ela, sem outro limite, senão aos chamados princípios jurídicos sensíveis da Magna Carta (forma republicana de governo, respeito à Federação, aos direitos individuais, suas garantias etc.). Aliás, diga-se de passagem que esses princípios devem ser observados também pelos Estados federados e pelos Municípios enquanto editam, respectivamente, suas Cartas Magnas e sua Leis Orgânicas. Vale dizer, o Distrito Federal votará por seus Deputados Distritais a sua Lei Orgânica, verdadeira Constituição local, segundo preceitua o artigo 32 da vigente Carta Política Brasileira: "O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa que a promulgará, atendido os princípios estabelecidos nesta Constituição".

Resta, assim, inferir-se que o Distrito Federal foi elevado pela Lei Suprema de nosso País à posição de pessoa política, isônoma, neste particular, aos Estados-membros, aos Municípios e à própria União. Seu ordenamento jurídico forma um autêntico sistema estatal completo, regulando todos os órgãos através dos quais se manifesta o poder do Estado. É, portanto, ente integrante da Federação brasileira, regido por seus próprios governantes; não mais por pessoas sujeitas ao controle da União, que, doravante, registre-se, só intervém no Distrito Federal nas circunstâncias excepcionalíssimas elencadas no artigo 34 da Constituição da República. Aliás, as mesmas que autorizam a intervenção federal nos Estados-membros.

Em suma, o Distrito Federal é em tudo, ente político que legisla para si de acordo com as competências que lhe foram outorgadas pela Constituição da República. Nenhuma lei, que não as editadas por sua Câmara Legislativa, poderá ocupar-se com assuntos de seu peculiar interesse, mormente em se tratando de criação e arrecadação dos tributos de sua competência.

E, em matéria tributária, a Câmara Legislativa do Distrito Federal tem competência para criar, in abstrato, os "tributos estaduais e municipais", à vista do disposto nos artigos 32 § 1º, 145, 147 in fine e 155, todos da Constituição da República.

Se assim é, o que vem a ser Competência Tributária?

 

3. Competência Tributária

3.1. Aspectos Gerais

Em nosso País, em virtude de uma série de disposições constitucionais, não se concebe poder tributário (incondicionado, absoluto), mas tão-somente competência tributária (disciplinada, moldada pelo Direito).

Entre nós, a força tributante estatal não se desenvolve livremente. Ao reverso, atua dentro e nos exatos limites do direito positivo. Cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário, ou seja, manifestação de ius imperium do Estado, mas exercita apenas a sua competência tributária, vale dizer, a manifestação da autonomia da pessoa política havida diretamente do ordenamento jurídico-constitucional. Por isso, a competência tributária fica adstrita às normas constitucionais.

 

3.2. A Constituição como fonte exclusiva das Competências Tributárias

No Brasil, a Constituição da República é a "Lei Tributária Fundamental", pois é ela que contém as diretrizes básicas de todos os tributos.

Todavia, a Constituição não criou tributo. Poderia tê-lo feito, porque o Poder Constituinte é soberano, mas no entanto não o fez. Por isso, ninguém pode ser compelido a pagar tributo apenas com base na Carta Constitucional.

Mas, se a Constituição não criou tributos, o que ela fez então?

Responde-nos Roque Carrazza que ela fez, basicamente, quatro coisas: I) discriminou competências para que as pessoas políticas, querendo, viessem a criar tributos; II) classificou os tributos em espécies e subespécies; III) traçou a regra-matriz, o arquétipo genérico, a norma padrão de incidência das várias espécies e subespécies de tributos; e IV) apontou as limitações ao exercício das competências tributárias2.

Por outro lado, muito embora a Constituição não tenha criado tributos, ela previu em seu ordenamento as chamadas "normas de estrutura", isto é, normas que, como explica Paulo de Barros Carvalho3, disciplinam a produção de outras normas.

E pertencem a essa categoria as normas constitucionais que tratam das competências tributárias4. Tais normas autorizam os Legislativos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal a criarem in abstrato tributos, bem como a estabelecerem o modo de lançá-los e arrecadá-los, impondo também a observância de vários princípios que garantem os direitos dos contribuintes.

Vejamos, pois, em síntese, a definição de Competência Tributária.

 

3.3. A Definição

Acerca de definição, Irving Copi consigna que a mesma é a explicação do significado de um termo. Em sendo assim, não se pode por razões óbvias obter o definiens pelos termos do próprio definiendum. Equivale dizer, que a definição não deve ser circular.

Convém, no entanto, sermos breves o suficiente nesta tarefa, a fim de, o quanto possível, guardar retidão semântica com o significado do termo competência tributária, que nada mais é que a aptidão jurídica para criar in abstrato tributos.

Sabe-se, por força do artigo 150, inciso I da CR, que os tributos só podem ser criados através de lei, que por sua vez deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica, ou seja, a hipótese da incidência material do tributo, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota.

Assim, a competência tributária é a possibilidade de criar, in abstrato, tributos, descrevendo, através da lei, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos e passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.

Logo, pode-se afirmar que exercitar a competência tributária é dar nascimento a tributos no plano abstrato.

Neste sentido, averba Hector Villegas que: "a competência tributária (ou poder tributário) é a faculdade que tem o Estado de criar unilateralmente tributos"5.

Por fim, lembramos ainda que somente quem pode tributar pode igualmente aumentar ou diminuir a carga tributária, ou até suprimi-la através da não-tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo da isenção.

 

3.4. Do exercício e das limitações da Competência Tributária

Com a criação da lei, esgota-se o exercício da competência tributária. Noutras palavras, o Poder Legislativo, no momento em que baixa normas substantivas que estabelecem os pressupostos objetivos e subjetivos da obrigação tributária (a hipótese de incidência material do tributo, os sujeitos ativos e passivos da obrigação tributária, a base de cálculo e sua alíquota), exaure por completo o exercício da competência tributária haurida diretamente da Constituição.

Temos, pois, que a competência tributária, uma vez exercida pela edição da lei, desaparece, cedendo passo à capacidade tributária, que surge então.

No que pertine às limitações impostas à competência tributária, esta já nasce limitada, pelo menos no Brasil, eis que a Lei Maior Tributária assim impõe.

De fato, a competência tributária encontra nas normas constitucionais a sua primeira limitação. Por isso, o respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa em manifesta inconstitucionalidade da lei tributária, que não deve jamais desbordar dos limites materiais ou territoriais impostos pela Lei Suprema para o exercício da Competência Tributária.

A respeito, preconiza Afonso Arino de Melo Franco que "nos casos de países de Constituição rígida, como se dá entre nós, os limites das competências se encontram claramente estabelecidos; os meios de coordenação das atividades expressamente configurados; os remédios para os distúrbios e invasões de autoridades perfeitamente preceituados"6.

Afinam-se com o excerto acima as ponderações de Geraldo Ataliba, quando afirma que a Federação "implica igualdade jurídica entre a União e os Estados, traduzida num documento (constitucional) rígido, cuja principal função é discriminar a competência de cada qual, de modo a não ensejar violação da autonomia recíproca por qualquer das partes"7. Podemos acrescentar a isso que também os Municípios e o Distrito Federal, para que possam fazer valer suas autonomias, recebem da Magna Carta competências bem recortadas e privativas (arts. 153, 154, 155 e 156).

Outra limitação ao exercício da competência tributária pelo legislador ordinário é aquela imposta pelos grandes princípios constitucionais, que também não podem ser violados. É o caso dos princípios: republicano, federativo, da autonomia municipal, da segurança jurídica, da irretroatividade, da legalidade, da capacidade contributiva, da anterioridade, dentre outros.

Referenciados princípios operam como balizas que não podem ser transpostas pelo poder tributante estatal. Eles direcionam e demarcam a ação estatal de tributar, que somente será válida se a todos observar.

Em suma, podemos afirmar que a Constituição, direta ou indiretamente, limita o exercício da competência tributária, seja mediante preceitos especificamente dirigidos à tributação, seja de modo oblíquo, quando disciplina outros direitos, como v.g., os relativos à propriedade, à proibição de confisco etc.

Ilimitada, de resto, não é, nem mesmo a autonomia das pessoas políticas, que encontram na competência tributária uma das mais salientes manifestações.

 

3.5. A repartição constitucional das Competências Tributárias

No Brasil, têm competência tributária somente as pessoas políticas. Só as pessoas políticas? Só as pessoas políticas!

Por que?

Porque só elas têm o poder legiferante, e somente quem legisla pode tributar.

E quem é que legisla validamente no Brasil? Apenas a União, os Estados-membros, os Municípios e, agora, também o Distrito Federal. Somente essas pessoas políticas é que receberam do Diploma Máximo competência para criar, em caráter privativo, todas as modalidades de tributos, ou seja, os impostos, as taxas e as contribuições.

De notar-se, então, que a Constituição delimitou o campo tributário e atribuiu em caráter privativo uma parte dele à União; outra a cada um dos Estados federados; ainda outra a cada um dos Municípios, e a última fatia entregou ao Distrito Federal, (cf. os arts. 153 usque 156 da CR).

Quanto ao Distrito Federal, como já vimos, hoje ele goza a mais ampla autonomia política de toda a história constitucional brasileira. Ele se autogoverna mediante leis e autoridades próprias. Tem Governador e Vice-Governador, e seus Deputados e Senadores são eleitos pelo povo que nele habita8.

O Distrito Federal também tem ordenamento constitucional próprio (a sua Lei Orgânica), verdadeira Constituição Distrital que obedece apenas aos princípios jurídicos sensíveis da Carta Suprema9.

Agora, a União já não pode intervir constantemente no Distrito Federal para impor-lhe diretrizes administrativas e políticas, tais como: nomear o seu Governador, estipulando o que ele deve ou não fazer etc. Isso fica claro pela disposição constante do artigo 34 da Constituição da República, quando assevera: "A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes das unidades da Federação (…)", e assim por diante.

Portanto, hoje o Distrito Federal goza de irrestrita autonomia. Pessoa Política que é, legisla para si de acordo com as competências recebidas diretamente da Constituição. Nenhuma lei que não a editada por sua Assembléia Parlamentar poderá ocupar-se com assuntos de seu peculiar interesse; tanto mais no que pertine à instituição e à arrecadação dos tributos de sua exclusiva competência. Aliás, a Câmara Legislativa poderá criar para o Distrito Federal os tributos de competência dos Estado-membros e aqueles reservados aos Municípios. Nesse particular, ela fará as vezes de Assembléia Legislativa dos Estados e das Câmaras dos Vereadores. Isso vem nitidamente preceituado no artigo 32, parágrafo 1º da CR, quando afirma: "Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios". Com reforço no artigo 147, in fine: "…; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais". Asseverando no artigo 155 que: "Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir: I - impostos sobre: a) transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; c) propriedade de veículos automotores; e d) o imposto adicional de até cinco por cento do que for pago à União por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas nos respectivos territórios, a título do imposto de renda ou proventos de qualquer natureza incidentes sobre os lucros, ganhos e rendimentos de capital".

Nota-se, assim, que o Distrito Federal obteve na atual Constituição um enorme dilargamento de sua competência tributária, cabendo-lhe, cumulativamente, os impostos, as taxas e as contribuições dos Estados-membros e dos Municípios.

Todavia, registre-se mais uma vez que a Constituição delimitou muito bem o espectro tributário das pessoas políticas integrantes de nossa Federação, entregando a cada uma delas determinada porção de competência tributária. Disso deflui que, para a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, a Constituição é a Carta das Competências, porquanto é nela que essas pessoas políticas encontram o que podem e o que não podem fazer, notadamente em matéria tributária.

Por derradeiro, uma observação quanto a este tópico: a de que a Constituição não criou tributos. Ela apenas limitou-se a repartir as Competências Tributárias entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Os tributos, entretanto, só surgirão in abstrato quando editada por meio de lei a norma jurídica tributária e, in concreto, quando acontecer no mundo fenomênico o fato imponível. Ademais, a Constituição, ao repartir as competências tributárias, estabeleceu, ainda que por vezes de modo implícito e com certa margem de discricionariedade, para a pessoa política legiferante – a norma padrão de incidência de cada exação – ou seja, a hipótese de incidência material do tributo, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota das várias espécies e subespécies de tributos. Em suma, o legislador, ao exercitar sua competência tributária, não poderá "arredar pé" da norma padrão de incidência do tributo predefinida pela Constituição. Vale dizer, o legislador não poderá fugir desse arquétipo constitucional, sob pena de resvalar-se para o campo da inconstitucionalidade.

 

3.6. Características da Competência Tributária

A competência tributária caracteriza-se pela: I) privatividade;

II) indelegabilidade; III) incaducabilidade; IV) inalterabilidade; V) irrenunciabilidade; e, VI) facultatividade do exercício.

Vejamos, em síntese, cada uma destas características:

 

3.6.1. Privatividade

Como vimos, o campo tributário foi minuciosamente repartido pelo constituinte entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. A cada um deles foram outorgadas, de modo exclusivo, áreas de tributação próprias e inconfundíveis, de tal sorte que a norma constitucional tratando da competência tributária confere à pessoa política contemplada a virtude de criar certo e determinado tributo. Ao fazê-lo, em razão de critérios territoriais e materiais, recusa, ipso facto, essa possibilidade às demais pessoas políticas nela não indicadas. Percebe-se, desta forma, que a regra constitucional que atribui a determinada pessoa política certa dose de competência tributária, exclui a da outra pessoa política; ou seja, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal têm competências privativas para criarem os seus tributos, nas modalidades de impostos, taxas e contribuições.

 

3.6.2. Indelegabilidade

As normas constitucionais que partilham as competências tributárias são indelegáveis. Isto é, cada pessoa política que recebeu diretamente do Texto Supremo a sua competência tributária não pode dela abrir mão, ou seja, não pode renunciá-la ou transferi-la a terceiros. É livre tão-somente para deixar de exercitá-la, mas não para delegá-la ou transacioná-la com terceiros, ainda que por meio de lei.

A respeito, ensina-nos Celso Antônio Bandeira de Mello que: "As competências públicas outorgadas pela Constituição não são bens disponíveis, não podem ser transacionadas, gratuita ou onerosamente, pelas pessoas públicas nelas investidas. É sabido e ressabido que sua disposição escapa ao alvedrio de quem as possui. Por isso não há como intercambiá-las. São comandos impositivos para as entidades que a receberam. Em nada se assemelham a bem jurídicos transmissíveis"10.

Daí se segue que, muito embora a pessoa política seja titular de certa dose de competência tributária, podendo, inclusive, com exclusividade criar o tributo, não lhe pertence o domínio, mas apenas a sua titularidade, desde que submetida às normas constitucionais.

 

3.6.3. Incaducabilidade

O tempo, que tudo apaga, em matéria de competência tributária não tem esta peculiaridade.

Com efeito, o não-exercício da competência tributária pela pessoa política,

ainda que por longevo lapso temporal, não lhe acarreta a caducidade ou lhe impede de, querendo, criar por meio de lei, os tributos que lhe foram constitucionalmente outorgados. Essa característica, diga-se de passagem, é conseqüência lógica da incaducabilidade da função legislativa, da qual a função de criar tributos é parte11.

 

3.6.4. Inalterabilidade

A competência tributária, uma vez outorgada pelo Texto Supremo, não pode ser alterada por quaisquer dos entes políticos que a receberam, pois não possuem titularidade jurídica para isto. Somente à Constituição é dado alterar a competência tributária da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal.

Se porventura qualquer pessoa política pretender, ainda que mediante lei, dilatar os espectros de sua competência tributária, uma de duas: ou essa norma invadirá seara imune à tributação, ou vulnerará competência tributária alheia. Seja num, como noutro caso, a conseqüência será a mesma: a inconstitucionalidade do ato normativo.

 

3.6.5. Irrenunciabilidade

Em sendo a competência tributária matéria de direito público constitucional e, portanto, indisponível por quem a titulariza, não poderão seus titulares (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal), ainda que o façam por meio de lei, renunciá-la. Essas pessoas políticas não podem dizer que não mais tributarão determinado fato inscrito em sua esfera de competência tributária.

A renúncia, pura e simples ao direito de criar in abstrato o tributo, é absolutamente ineficaz, eis que em sendo a mesma indisponível, não é passível de renúncia pelos seus eventuais titulares. Isso, aliás, advém do próprio princípio republicano, pois, em sendo a res, é pública, não podendo a pessoa política, assim, dela abrir mão através de renúncia.

 

3.6.6. Facultatividade de exercício

Conquanto as pessoas políticas não possam delegar ou renunciar às suas competências tributárias, podem, entretanto, valer-se ou não das mesmas. Donde concluir que, podendo o mais (não criar o tributo), podem o menos, ou seja, utilizar apenas em parte suas competências tributárias.

Todavia, ressalte-se que a não-utilização por parte de uma pessoa política de sua competência tributária, não a autoriza a usurpar-se de outra. Tal usurpação, se vier a ocorrer, caracteriza flagrante inconstitucionalidade por invasão de competência.

A respeito, primorosa a lição do saudoso Aliomar Baleeiro: "Dentro do ponto de vista da técnica jurídico-constitucional, parece supérfluo estatuir-se que o não-exercício da competência tributária pela pessoa política que é dela titular não o defere a pessoa de direito público interno diversa. A competência fiscal não é res nullius de que outra pessoa de direito público se poderá aproveitar pela inércia do titular dela"12.

 

3.6.7. Conclusão parcial

Do quanto ficou consignado até aqui, podemos inferir que o Distrito Federal, a partir de 5.10.88, é a mais nova pessoa política de nossa Federação.

As competências tributárias de todas as pessoas políticas tiveram o seu perfil nitidamente traçado pela Constituição, inclusive a do Distrito Federal.

Embora o Texto Supremo não tenha criado tributos, serve de marco inafastável ao legislador ordinário (federal, estadual, municipal e distrital), quando da criação in abstrato das várias espécies tributárias, não podendo os mesmos ultrapassarem os campos tributários que foram delimitados pela Constituição, sob pena de inconstitucionalidade.

Com a elevação ao status de pessoa política pela Constituição de 1988, o Distrito Federal foi contemplado, em matéria tributária, com competências fiscais exclusivas, cabendo-lhe, cumulativamente, os tributos dos Estados e dos Municípios (art. 32, parágrafo 1º c.c. arts. 147 in fine, 154/156 da CR).

Ademais, as competências tributárias possuem as seguintes características: privatividade, indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade do exercício.

Posto isto, podemos agora ir ao ponto que mais nos interessa, ou seja, dizer que o Distrito Federal, graças ao princípio federativo, pode criar (num clima de liberdade que só a democracia proporciona) os tributos que a Constituição lhe outorgou.

E, para que possamos compreender até onde vai a competência tributária do Distrito Federal, vamos analisar, ainda que superficialmente, as dimensões do princípio federativo no Brasil.

 

4. O princípio federativo e a competência tributária

4.1. Notas preliminares

A forma de Estado adotada pelo Brasil, ex vi do artigo 1º de nossa Constituição da República, é a federativa. Quer isso dizer que o Estado brasileiro é formado pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Não é o caso, neste estudo, de inferirmos se o Distrito Federal integra ou não a Federação brasileira. O que queremos pôr em evidência é que, na Federação pátria, o Distrito Federal, desde 5.10.88, desfruta de ampla autonomia, inclusive no que pertine à criação de tributos.

 

4.2. Federação: conceito e peculiaridades

A palavra Federação vem do latim foedus, foederis, que quer dizer aliança, associação, pacto, união.

A forma federativa de Estado consiste essencialmente na união institucional de Estados, que dá origem a um novo Estado: o Estado Federal. Esse novo Estado é diverso daqueles que o compõem, isto é, os Estados-membros ou Estados federados. Essa união ou aliança é perfeita e indispensável. Nela, os Estados federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, privam-se, entretanto, de algumas prerrogativas. A mais relevante delas é a soberania.

Todos os Estados-membros que aderem à forma federativa, subordinam-se a uma Carta Suprema que lhes confere competências próprias.

De outra parte, a igualdade entre os entes políticos da Federação é absoluta (pelo menos enquanto pessoas de direito constitucional interno), daí a célebre conceituação de Sampaio Dória: "Federação é a autonomia recíproca da União e dos Estados, sobre a égide da Constituição Federal"13.

São características básicas das Federações: a) rigidez da Constituição; b) distribuição do Poder Político: no plano federal e estadual, reservando-se a Soberania para o Estado Federal, enquanto os Estados-membros possuem apenas autonomia política14; c) a base jurídica do Estado Federal é uma Constituição que fixa as competências da União e dos Estados-membros15; d) a composição do Poder Legislativo Federal é bicameral (Câmara dos Deputados e Senado Federal); e) supremacia do Poder Judiciário – geralmente a Suprema Corte do país – que funciona como guardiã da Constituição da República.

O Estado brasileiro foi construído, basicamente, sobre esses moldes. A nossa Constituição é rígida (art. 60), distribuiu o Poder Político entre os entes federados, discriminando-lhes as suas respectivas competências (federal: arts. 21,22,153 e 154; estaduais: arts. 25 e 155; municipais: arts. 30 e 156, e distrital: arts. 24, 32 e seus parágrafos, 147 in fine, 155 e 156); o Poder Legislativo Federal é bicameral (art. 44); e o Supremo Tribunal Federal é o guardião do Texto Supremo (art. 102).

 

4.3. A Federação brasileira

O Estado brasileiro, como dissemos, é um Estado Federal. E os princípios federativo e republicano são as vigas mestras de nosso sistema jurídico. Por isso, são intocáveis e irretratáveis ou, como diria o folclórico ex-Ministro do Trabalho Rogério Magri: "são imexíveis". Quer isso dizer que só por via revolucionária ou mediante a quebra da ordem jurídica é que podem ser modificados. Só o poder Constituinte Originário pode minimizá-los ou aboli-los16.

O Estado Federal, onde se dá a partilha do poder entre os entes que o compõem, caracteriza-se, como vimos, por uma descentralização jurídica, tanto estática quanto dinâmica. A descentralização estática, como adverte Hans Kelsen, representa a convivência, em um Estado, de uma ordem jurídica central com ordens jurídicas locais ou regionais, as quais, no seu todo, constituem a comunidade jurídica total, ou o Estado17. A descentralização será a um tempo estática e dinâmica, "quando a ordem jurídica – válida somente para uma comunidade parcial – é criada por órgãos eleitos simplesmente pelos membros dessa comunidade parcial. Como exemplo, poderia citar-se um Estado Federal, em que as leis válidas para o território de um Estado-membro, unicamente podem ser expedidas pelo legislativo local eleito pelos cidadãos desse Estado-membro"18.

No Brasil, a questão da discriminação da competência tributária é manifestação do próprio federalismo, por configurar descentralização do poder de instituir e regular tributos19.

Em sendo assim, as ordens jurídicas tributárias de nossa Federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) podem conviver perfeitamente com a ordem jurídica global (o Estado brasileiro). Essa múltipla incidência só é possível por força da rígida discriminação de competências levada a cabo pela Constituição da República. E estas ordens jurídicas possuem campos de atuação nitidamente delineados pelo Texto Supremo, de tal sorte que não interferem umas com as outras. Nem, muito menos, atritam-se.

E, como em termos estritamente jurídicos só podemos falar em hierarquia de normas quando umas extraem de outras a validade e a legitimidade20, torna-se claro que as leis nacionais (do Estado brasileiro), as leis federais (da União), as leis estaduais (dos Estados-membros), as leis municipais (dos Municípios) e as leis distritais (do Distrito Federal) ocupam o mesmo nível, vale dizer, não preferem uma às outras, pois todas encontram o seu fundamento de validade na própria Carta Magna, apresentando somente campos materiais de incidência muito bem discriminados. Logo, todas essas ordens jurídicas são absolutamente isônomas entre si.

 

4.4. O princípio federativo e sua importância no Brasil

Poucos, como Cléber Giardino, jurista dos mais capazes e sinceros que o nosso País já possuiu, tiveram a argúria de perceber a importância do princípio federativo em tema de competência tributária, pois é através desse postulado que se pode afastar, por igual, qualquer possibilidade de conflito de competência impositiva entre os entes políticos federados.

Tão relevante é o princípio federativo, que o artigo 60, parágrafo 4º, inciso I, da CR dispõe peremptoriamente que: "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado". Essa cláusula pétrea não pode ser violada, nem por via direta, nem por via oblíqua, o que ocorreria, por hipótese, se se retirasse, mediante emenda Constitucional, a competência tributária dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal ou mesmo da União.

Judiciosa é a lição de Geraldo Ataliba a respeito, quando analisou disposição semelhante à mencionada no parágrafo antecedente, contida na Carta de 67 (art. 47, parágrafo 1º). São estas as suas palavras: "(...) o princípio federal, em sua mais essencial exigência, só pode ser revogado por força de uma verdadeira revolução, que deite por terra o texto Constitucional e ab-rogue categoricamente todo o sistema, a partir de suas bases. Só a avassaladora revolução popular pode anular o princípio federal"21.

Do exposto, extraem-se as seguintes conclusões: a) enquanto a Constituição estiver em vigor, é terminantemente vedada qualquer proposta de emenda constitucional, ainda que por via transversa, de molde a suprimir ou a modificar a forma de Estado federada adotada pelo Brasil; b) nenhuma espécie normativa infraconstitucional poderá, de alguma forma, anular, suprimir ou modificar as exigências do princípio federativo. Noutro dizer, as leis emanadas do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas estaduais ou do Distrito Federal ou de Câmara de Vereadores, deverão sempre levar em conta a existência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de suas respectivas competências (inclusive as tributárias), que só podem ser exercitadas por seus Poderes Supremos, na forma de suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas.

 

4.5. As Competências do Distrito Federal

A autonomia política do Distrito Federal é revelada pelos artigos 18 caput, 32 e seus parágrafos, 34, 45 e 46 parágrafo 1º, todos da CR.

Dispõe o artigo 32, parágrafo 1º, do Texto Supremo que: "ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios".

Vê-se, de antemão, que ao Distrito Federal foram outorgadas as competências dos Estados e Municípios, cumulativamente.

Isso porque, em nosso sistema de repartição de competências, as competências deferidas à União e aos Municípios vêm expressas no texto constitucional (cf. arts. 21, 22, 23, 24, 29 e 30), enquanto as dos Estados-membros não são enumeradas, são residuais ou remanescentes (cf. art. 25, parágrafo 1º da CR).

No que pertine ao Distrito Federal, suas competências também vêm expressamente enumeradas no Texto Supremo, sendo ora privativas e ora concorrentes com as da União, dos Estados e Municípios (arts. 23 e 24 da CR).

Em suma, o Distrito Federal é absolutamente isônomo às demais pessoas políticas que integram nossa Federação, possuindo competências próprias, cumulativas às dos Estados-membros e dos Municípios, a teor do disposto nos artigos 32, parágrafo 1º c.c. art. 147 in fine, 155 e 156, todos da CR).

 

5. A Competência Tributária do Distrito Federal

Em matéria tributária, a autonomia do Distrito Federal vem revelada pelo disposto nos artigos 32, parágrafo 1º, 147 in fine, 155 e 156, todos do Texto Supremo.

De fato, os supracitados dispositivos constitucionais autorizam a Câmara Legislativa do Distrito Federal a criar, in abstrato, os tributos deferidos aos Estados e aos Municípios em todas as suas espécies, ou seja, impostos, taxas e contribuições.

Com efeito, preceitua o artigo 32, parágrafo 1º da CR que: "ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios". Por sua vez, assevera o artigo 147, in fine de nossa Carta Magna que: "compete (...) ao Distrito Federal os impostos municipais". Enquanto o artigo 155 da Leis das Leis assim estatui: "Compete aos Estados e ao Distrito Federal os impostos sobre: a) transmissão causa mortis e doação e quaisquer bens ou direitos; b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; c) propriedade de veículos automotores."

Vejamos, em apertada síntese, cada um desses impostos constitucionalmente outorgados ao Distrito Federal:

a) transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (art. 155, I, e parágrafo 1º, incisos I, II e III, letras "a" e "b" da CR).

Conforme preceitua o artigo 1.165 do Código Civil: "Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra que os aceita".

Assim, admissível, tanto na doação de bens ou na de direitos, como na transferência do patrimônio do de cujus em prol de seus herdeiros, o referenciado imposto. Basta que o patrimônio do donatário, no primeiro caso, experimente um aumento e, no segundo, que haja o evento morte com bens a ser transmitidos aos herdeiros do falecido, para a tipificação do preceito tributário acima hipotetizado.

b) imposto sobre circulação de mercadorias (art. 155, II, primeira parte, da CR).

Da leitura do mencionado dispositivo infere-se que este é o imposto decorrente de operações mercantis, vale dizer, sobre negócios jurídicos que transferem a posse ou a propriedade de mercadorias (bens móveis que se destinam à prática de "atos de comércio"). Este imposto poderá incidir mesmo que as operações mercantis tenham se iniciado no exterior (cf. art. 155, IX, letra "a" da CR); deverá obedecer a regra da não-cumulatividade e poderá ser relativo, em função da essencialidade das mercadorias22.

c) imposto sobre serviços de comunicação (art. 155, II, última parte da CR).

Este imposto, mutatis mutandis, deverá observar as mesmas diretrizes que norteiam os dois impostos anteriormente citados, razão pela qual abstemo-nos de repeti-las.

d) impostos sobre a propriedade de veículos automotores (art. 155, III, da CR).

Pode o Distrito Federal tributar, através do aludido imposto, os proprietários de veículos automotores de seu território. Basta que qualquer cidadão seu adquira a propriedade de veículo automotor para incidir no aludido preceito material de incidência tributária.

e) imposto predial e territorial urbano – IPTU (art. 156, I, da CR).

Esse imposto, anota Aires F. Barreto, "é um dos mais antigos. O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana foi introduzido, entre nós, desde D. João VI, por Alvará de junho de 1808"23.

Com efeito, pode o Distrito Federal, ao lado dos Municípios, criar essa modalidade de imposto, respeitando, é claro, os mesmos princípios impositivos adotados pelos Municípios para a sua exação.

f) imposto de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos e sua aquisição (art. 156, II, da CR).

Goza o Distrito Federal de dupla competência tributária quanto à imposição dos impostos decorrentes de transmissão de bens, pois, poderá instituir não só os de transmissão causa mortis, como também o inter vivos sobre bens e direitos de contribuintes que habitam o seu território.

g) imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar (art. 156, III, da CR).

O ISS pode ser instituído pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, e só alcança os serviços prestados por particulares, por empresas públicas, por sociedades de economia mista e por empresas privadas sob o regime de direito privado. O serviço público refoge à tributação via ISS.

Portanto, os serviços sobre os quais incide ou pode vir a incidir o imposto em exame, "são aqueles colocados in comercium", vale dizer, no mundo dos negócios, sendo submetidos em sua prestação ao regime de direito privado, que se caracteriza pela autonomia de vontade e pela igualdade das partes contratantes24.

Outrossim, por força do que dispõe o artigo 155, inciso II da CR, o Distrito Federal e os Estados podem instituir impostos sobre os serviços de transportes ou de comunicação interestaduais ou intermunicipais.

 

5.1. A Competência do Distrito Federal para criar taxas e contribuições

Como se sabe, são as "competências administrativas" para prestar serviços públicos, para praticar atos de polícia ou para realizar obras públicas que determinam, por sua vez, a competência para tributar, respectivamente, por meio de taxa de serviço, taxa de polícia ou através de contribuição de melhoria.

A respeito, ensina-nos Roque A. Carraza que as taxas e a contribuição de melhoria só podem ser criadas pela pessoa política que possuir: a) competência administrativa para realizar a atuação estatal (que deve consistir, no caso das taxas, na efetiva prestação de um serviço público ou no exercício do poder de polícia e, no caso da contribuição de melhoria, na realização de uma obra pública); b) tiver regulado por meio de lei essa atuação estatal; e c) tiver realmente autuado ou estiver em condições materiais de fazê-lo, logo após o recolhimento do tributo25. Faltando qualquer um desses requisitos, a taxa ou a contribuição de melhoria não podem ser criadas.

As competências administrativas do Distrito Federal para prestar serviços públicos, para realizar atos de polícia ou para levar a cabo obras públicas, estão referidas no artigo 32, parágrafo 1º c.c. artigos 25, parágrafos 1º e 2º, 29 e 30, todos da Carta Magna pátria.

Diz o parágrafo 1º do artigo 32 que: " ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios", enquanto os parágrafos 1º e 2º do artigo 25 afirmam, respectivamente, que são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição, cabendo-lhes

explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

Ora, como a competência administrativa é o pressuposto da competência para criar taxas e contribuições de melhoria, temos que o Distrito Federal, possuindo competência administrativa, ainda que cumulativamente com os Estados-membros, pode criar suas taxas (de polícia ou de serviço) e sua contribuição de melhoria ou previdenciária, enquanto realizar obra pública ou organizar o sistema de previdência e assistência social de seus servidores, respectivamente (cf. art. 149, parágrafo único da CR).

 

6. Conclusões

Sintetizando, podemos concluir:

I. O Distrito Federal, após o advento da Constituição de 1988, goza de irrestrita autonomia. Pessoa política que é, legisla para si de acordo com as competências que a Carta Política lhe outorgou. Nenhuma lei que não a editada por sua Assembléia Legislativa pode ocupar-se com assuntos de seu peculiar interesse, especialmente em se tratando de instituição e arrecadação de tributos de sua exclusiva competência.

II. O Distrito Federal, assim como as demais pessoas políticas integrantes da Federação brasileira (União, Estados e Municípios), teve sua competência nitidamente traçada pelo Texto Supremo, notadamente em matéria tributária, por força dos artigos 32, parágrafo 1º, 147 in fine, 154, 155 e 156, todos da Constituição da República, sendo lhe atribuídas competências fiscais exclusivas.

III. Em matéria tributária, embora a Carta Magna de 1988 não tenha criado tributos, ela discriminou as competências tributárias de todas as pessoas políticas de nossa Federação, a fim de que as mesmas, querendo, viessem a criar in abstrato seus tributos; classificou-os, em espécies e subespécies; traçou-lhes a norma padrão de incidência das várias espécies e subespécies de tributos e, por fim, apontou as limitações ao exercício das competências tributárias. Em assim procedendo, ela serve de marco inafastável aos legisladores infraconstitucionais, quando da criação de tributos. Estes, a seu turno, se vierem a desbordar dos limites impostos pelo Texto Supremo, incorrem em inconstitucionalidade.

IV. A competência tributária, por sua vez, é a aptidão para criar in abstrato os tributos, descrevendo, mediante lei, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos e passivos, suas bases de cálculo e suas respectivas alíquotas. No Brasil, somente as pessoas políticas (União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal) pos-suem competência tributária haurida diretamente do Texto Supremo.

V. A competência tributária, uma vez exercitada pela edição da lei, desaparece, cedendo passo à capacidade tributária que surge daí então. A competência tributária não é incondicionada. Ao revés, sofre limitações impostas pelos grandes princípios constitucionais, tais como: Federação, República, autonomia municipal, segurança jurídica etc. Além disso, sofre limitações através dos próprios mandamentos constitucionais. Tudo isso direciona e demarca a ação estatal de tributar, que somente é válida se a todos observar.

VI. São características da competência tributária a: indelegabilidade, inca-ducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e a facultatividade de seu exercício pelas pessoas políticas integrantes de nossa Federação.

VII. A forma federativa de Estado, por seu turno (art. 1º de nossa Carta Magna), é uma das vigas mestras de nossa sistema jurídico; por isso, ela é intocável (cf. art. 60, parágrafo 4º, I, da CR), sendo responsável pelo delineamento de toda a estrutura político-jurídica do Estado brasileiro. Possui as seguintes peculiaridades: a) Constituição rígida (cf. art. 60 da CR); b) o Poder Político está distribuído entre os Entes Federados e a cada um deles foi outorgada pelo Texto Supremo determinada porção de competência: federal (arts. 21, 22, 153 e 154), estadual (arts. 25 e 155), municipal (arts. 30 e 156) e distrital (arts. 24, 32 e seus parágrafos, 147 in fine, 154 usque 1.156), todas da Constituição da República; c) o Poder Legislativo é bicameral (art. 144); d) o Supremo Tribunal Federal é o guardião das Leis das Leis (art. 102).

VIII. O princípio federativo é de fundamental importância em matéria tributária, na medida em que é ele quem determina a partilha das competências tributárias e a descentralização do poder de instituir e arrecadar os tributos pelas pessoas políticas que integram o Estado brasileiro (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal). É o princípio federativo que proporciona a convivência das ordens jurídicas acima referidas, com a ordem jurídica global (o Estado brasileiro), fazendo com que não haja atritos entre as mesmas e, consequentemente, inexista conflitos de competência em matéria tributária.

IX. Quanto à fatia de competência tributária destinada pelo Texto Maior em prol do Distrito Federal, podemos afirmar que ele tem competência tributária para instituir, cumulativamente, os seguintes tributos (de competência dos Estados-membros e dos Municípios):

a) imposto de transmissão causa mortis e de doação de quaisquer bens ou direitos (art. 155, I, da CR);

b) imposto sobre circulação de mercadorias (art. 155, II, primeira parte da CR);

c) imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal (art. 155, II, segunda parte da CR);

d) imposto sobre serviços de comunicação (art. 155, II, última parte da CR);

e) imposto sobre a propriedade de veículos automotores (art. 155, III, da CR);

f) imposto predial e territorial urbano – IPTU (art. 156, I, da CR);

g) imposto de transmissão inter vivos a qualquer tipo, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física e direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos e sua aquisição (art. 156, II, da CR);

h) imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, da CR definidos em lei complementar (art. 156, III, da CR).

Possui também a competência para instituir e arrecadar taxas (de polícia ou de serviços) e contribuições (de melhoria previdenciária e social).

X. Por derradeiro, podemos afirmar que Distrito Federal, depois da União, é a pessoa política de nossa Federação com a maior dose de competência tributária, eis que acumula aquelas inerentes aos Estados-membros e aos Municípios.

_________

* Procurador do Estado de São Paulo, Professor de Direito Constitucional da UNITAU e Mestre em Direito pela PUC/SP.

1. Michel Temer, com amplas observações acerca da natureza jurídica do Distrito Federal na nova Constituição de 1988. (Elementos de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 102).

2. Constituição como fonte do direito tributário. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 12, n. 46,

p. 177, out./dez. 1988.

3. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 68-69.

4. A respeito ver Sérgio de La Garza (Derecho financeiro mexicano. México: Porrua, 1969. p. 35).

5. Curso de direito tributário. Trad. de Roque A. Carrazza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 82.

6. Estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p. 148.

7. Princípio federal: rigidez constitucional e Poder Judiciário. In: Estudos e Pareceres de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 9.

8. Isso vem reforçado e preceituado no parágrafo 2º do artigo 32 da Constituição da República, assim verberado: "a eleição do Governador e Vice-Governador, observadas as regras do artigo 77, e dos Deputados Distritais, coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato de igual período".

9. Dispõe o caput do artigo 32 da CR que: O Distrito Federal, vedada a sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de 10 dias e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que promulgará atendidos os princípios estabelecidos nesta Consti-tuição".

10. Abastecimento de Água – Serviço Público – Regime Jurídico – Tarifas. Revista de Direito Público,

n. 55-56, p. 100.

11. Não há confundir, incaducabilidade da competência tributária com prescribilidade da capacidade tributária ativa. A primeira diz respeito à competência tributária para criar in abstrato o tributo. Logo, imprescritível e não sujeita à caducidade. Já na segunda, é prescritível, porque, senão dentro dos prazos legais prefixados pela lei, seu titular fica impedido de obter, no caso concreto, o tributo.

Outrossim, quando as leis tributárias cuidam da prescrição v.g. no artigo 174 do CTN elas se referem não à competência tributária mais aos direitos e as ações da Fazenda Pública, enquanto titular do crédito tributário, isto é, do direito subjetivo à percepção do tributo.

12. Direito tributário brasileiro. Rio da Janeiro: Forense, 1970. p. 72.

13. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1958. v. 1, t. 3, p. 476.

14. No Brasil, incluem-se os Municípios e o Distrito Federal, conforme artigo 1º da CR.

15. Consulte-se o artigo da CR.

16. Cf. Geraldo Ataliba. Instituições de direito público e República. Tese. São Paulo. 1984. p. 40.

17. Teoria general del derecho y del Estado. Trad. Eduardo Garcia Maynez. 2. ed. México: Imprensa Universitária, 1958. p. 361.

18. Ibidem, p. 268.

19. Cf. Celso Cordeiro Machado. Limites e conflitos de competência tributária no sistema brasileiro. Tese. Belo Horizonte, 1968. p. 34.

20. Cf. R. J. Vernengo. La interpretacion jurídica. México: Universidad Nacional Autonoma de México, 1977. p. 67.

21. Competência legislativa supletiva estatal. Revista de Direito Público, n. 62, p. 26.

22. Cf. Constituição da República, artigo 155, parágrafo 2º, inciso I.

23. Impostos municipais. Revista de Direito Tributário, n. 47, p. 245.

24. Roque Antônio Carrazza. Imposto sobre serviço. Revista de Direito Tributário, n. 48, p. 205.

25. Cf. Princípios constitucionais e competência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 176-179.

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