TESE 11                                                                                                            2ª COMISSÃO


A INEFETIVIDADE DA TUTELA ANTECIPADA

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

 

 FLÁVIA ALMEIDA PITA

 

I. INTRODUÇÃO

 

Refletindo uma tendência mundial, o Direito Processual Civil brasileiro passou, nos últimos anos, por uma constante reformulação instrumental, à busca de metas definíveis, basicamente, através do termo "efetividade".

Problemas como o da indisponibilidade das vias judiciais para os grupos menos favorecidos, insuficiência dos meio processuais existentes para a solução dos conflitos próprios de uma sociedade globalizada e massificada, ou a demora e ineficiência da prestação jurisdicional tradicional, transformaram-se em temas do chamado "movimento universal de acesso à Justiça". São dele reflexos as mudanças introduzidas no Código de Processo Civil brasileiro através das "mini-reformas" que lhe alteraram vários artigos, trazendo para o direito positivo brasileiro novos institutos.

É justamente neste contexto que se insere a Lei n. 8.952, em vigor desde 12.02.95, ao introduzir a previsão de antecipação da tutela definitiva, de forma genérica, presentes as condições delimitadas pela nova redação do art. 273 do Código de Processo Civil.

Ressalte-se, porém, que a possibilidade de antecipação da tutela final já havia sido admitida pelo direito brasileiro em casos específicos, como nas ações possessórias (art. 928, Código de Processo Civil ), ação civil pública (art. 12 da Lei n. 7.347/85), ação de despejo (art. 59, § 1.º da Lei n. 8.245/91), eleitos casualisticamente por clara opção de política legislativa.

 

 

II. A TUTELA ANTECIPADA DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

 

A inovação de 1994 consistiu, assim, na extensão da medida às demais tutelas, albergando, sob o aplauso da Doutrina, instrumento inibidor da sua inefetividade frente ao decurso do tempo. Não o fez, todavia, de forma amplíssima, mas submeteu o cabimento da medida antecipatória a rígidos pressupostos, inexistentes nos exemplos expostos no parágrafo anterior. É o que se percebe na leitura do texto legal:

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu;"

[...]

§ 2 º. não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado"

Como se vê, o legislador atrelou a antecipação da tutela final à constituição de prova "inequívoca" da causa de pedir, à inexistência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da medida, e, ainda, a dois requisitos alternativos:

 

1) demonstração da probabilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, caso o atendimento da pretensão do autor não seja antecipado no tempo.

Verifique-se que esta condição é analisada através da tutela pretendida de per si, não se confundindo com o periculum in mora exigido na tutela cautelar, onde a observação tem como prisma a possibilidade da conduta do réu obstaculizar a tutela final. A esta conclusão conduz a comparação entre a redação do acima transcrito inciso I do art. 273 e do art. 798 do Código de Processo Civil, que trata do comumente chamado "poder geral de cautela":

"Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação."(grifo nosso)

 

2) caracterização do "abuso do direito de defesa" ou de "manifesto propósito protelatório" - expressões cujo conteúdo é delimitado pelo próprio Código de Processo Civil, ao arrolar os casos de litigância de má-fé (incisos do art. 17).

Parece estar por detrás de todos eles (com exceção do art. 17, inciso III, que se refere ao autor), essencialmente, o objetivo de retardar no tempo a pretensão perante a qual o réu não possui obstáculos legítimos a opor.

Outro traço marcante da nova figura do direito processual brasileiro consiste no seu caráter potencializador da execução provisória da tutela antecipada, fazendo a lei remissão expressa ao art. 588 do Código de Processo Civil.

Os requisitos escolhidos para a concessão da medida, e seu caráter de "novidade", levaram a um primeiro momento de perplexidade entre os Processualistas, não tendo sido poucos os que a confundiram com a tutela cautelar. As discussões travadas parecem hoje ter convergido, no entanto, para o reconhecimento da identidade do instituto, que, antecipando satisfativamente o atendimento da pretensão do autor, empresta-lhe eficácia executiva provisória.

Não obstante, ainda são muitas as dúvidas remanescentes no seu estudo e aplicação, e fecundas as discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Entre elas sobressai a questão da admissibilidade da antecipação da tutela deduzida contra a Fazenda Pública.

 

 

 

III. A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E A FAZENDA PÚBLICA

 

A priori, nada autoriza supor que os requisitos descritos pelo caput e incisos do art. 273 não possam estar presentes nas demandas em que seja ré a União, os Estados ou os Municípios. Parece mesmo que, ao contrário, a prática de atos processuais meramente protelatórios por aquelas pessoas jurídicas de direito público constitui-se em uma importante causa do abarrotamento das vias judiciais no nosso país.

A questão merece análise mais aprofundada, originando-se as ponderações dos processualistas, basicamente, das seguintes circunstâncias:

- a impenhorabilidade do patrimônio público, causa da existência de procedimento especial para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, através do sistema de precatórios (art. 100 da Constituição Federal).

- a submissão da eficácia da sentença contra a Fazenda Pública ao duplo grau de jurisdição (art. 475 do Código de Processo Civil)

O presente estudo, portanto, merece, antes de mais nada, a observação cuidadosa das causas e finalidades do tratamento processual privilegiado das pessoas jurídicas de direito público, e suas implicações com o novo instrumento do art. 273 do Código de Processo Civil. É o que se fará a seguir.

Ao tornar-se Estado de Direito, o organismo estatal reconheceu sua submissão a um diferenciado conjunto de princípios que regem sua conduta, consagrando-lhe deveres e prerrogativas. Estas últimas justificam-se diante das peculiaridades da estrutura estatal, sobremaneira evidenciadas no agigantado "Estado social" e pelas monstruosas proporções das massas humanas a cujo interesse deve servir.

Dentre as prerrogativas inerentes ao regime de direito público estão os privilégios de ordem processual, em cujo rol podem ser incluídos, de forma genérica, desde a concessão de prazos maiores para a sua defesa (art. 188 do Código de Processo Civil), o necessário duplo grau de jurisdição no julgamento de pretensões que lhe são contrárias (art. 475 do Código de Processo Civil), até a existência de tutelas e ritos procedimentais diferenciados, como são os casos da Execução Fiscal (Lei 6.830/80), Ação Cautelar Fiscal (Lei n. 8.397/92), Execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (Código de Processo Civil , art. art. 730 e ss., e Constituição Federal, art. 100).

Em todos aqueles casos encontrou o princípio da isonomia a sua aplicação material, desigualando-se os previamente desigualados, a fim de que lhes seja possível deduzir pretensões, e delas defender-se, de forma equânime.

 

 

III.1) A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E O SISTEMA DE PRECATÓRIOS

 

Feitas estas considerações, o primeiro ponto a merecer análise parece ser a implicação existente entre o sistema dos precatórios e o cabimento da antecipação da tutela pretendida contra a Fazenda Pública.

Ressalte-se, antes de mais nada, que o procedimento regrado pelo art. 730 e seguintes do Código de Processo Civil, a que faz referência também a própria Constituição Federal, no seu art. 100, encontra aplicação apenas nos casos de execução de pretensões cujo objeto seja o pagamento de quantia certa. A execução de obrigações de fazer ou não fazer, assim como a de entrega de coisa certa, contra a Fazenda Pública, submetem-se aos procedimentos genéricos dos arts. 621 a 645 do Código de Processo Civil, teoricamente compatíveis com a tutela antecipada do art. 273.

Portanto, a utilização deste argumento, de forma isolada, contra a possibilidade da antecipação da tutela perante a Fazenda Pública, não teria o efeito genérico pretendido por alguns autores, encontrando cabimento tão somente nos casos em que o pedido tenha por objeto a obrigação de pagar soma em dinheiro.

Uma vez diante do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, e obstaculizada a sua penhora, resta ao credor da Fazenda Pública diligenciar a expedição do precatório correspondente, na forma legal, e aguardar seu pagamento pela ordem de apresentação (salvo os créditos de natureza alimentícia, dotados de prioridade).

O ofício requisitório do pagamento, contudo, deve lastrear-se (conforme expressamente dispõe o caput do art. 100 da Constituição Federal) em "sentença judiciária".

A expressão já foi alvo de discussão quando se instalou a dúvida sobre a admissibilidade de execução contra a Fazenda Pública fundada em título extrajudicial. Neste caso - principalmente quando transcorrido in albis o prazo para embargos, esgotando-se a oportunidade de pronunciamento judicial meritório sobre o título - afirmava-se haver obstáculo constitucional para a execução.

A Doutrina e Jurisprudência, porém, parecem hoje relativamente pacificadas em torno de uma interpretação mais elástica do termo "sentença judiciária", englobando no seu bojo também a decisão que reconhece a força executiva do documento apresentado pelo credor na inicial da execução, verificando a sua correspondência com o que dispõe o art. 585 do Código de Processo Civil .

Há que se questionar, agora, se a limitação terminológica constitucional obstacularizaria o ofício requisitório fundado na decisão interlocutória que antecipa a tutela contra a Fazenda Pública. Nesta análise, são vários os pontos a serem observados.

 

a) A definição de "sentença", como ato judicial, tem sede legal (Código de Processo Civil), e contrapõe-se expressamente aos conceitos de "decisão interlocutória" e "despacho". A seguir, transcritos os trechos de interesse para o presente trabalho:

"Art. 162...........................................................................

§ 1 º Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

§ 2 º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente."

Apesar da alusão, pelo § 1 º , a "mérito", atrelando a "sentença" à tutela de conhecimento, a interpretação ampliativa é claramente possível, tendo em vista o reconhecido papel propedêutico do Livro I do Código de Processo Civil em relação aos processos não-cognitivos.

Assim, não fere a lógica e o bom senso a analogia da decisão que concede a tutela executória nos processos fundados em título extrajudicial contra a Fazenda Pública, com o conceito de sentença, permitindo incidir o art. 100 da Constituição Federal nestes casos.

O mesmo não se dá com a decisão que antecipa a tutela, unanimemente caracterizada pela Doutrina e pela Jurisprudência, como interlocutória

b) De outra mão, imperioso afirmar que o conjunto de mudanças sofridas pela legislação processual civil pátria desde 1994 - capitaneadas pela introdução da tutela antecipada genérica - impõe um esforço sistemático de interpretação que se direciona na busca de um processo cada vez mais incólumes aos efeitos danosos do tempo.

Por este prisma, nos parece aceitável a ainda maior ampliação do conceito de "sentença judiciária" (para efeito do art. 100 da Constituição Federal), a fim de abarcar a decisão que, antecipando a tutela, dá início a um processo de natureza diferenciada (executória), pressupondo a concessão de tutela que lhe antecede - mesmo que de forma antecipada e provisória.

Assim, a condenação antecipada da Fazenda Pública, a pagar quantia certa, importaria na pronta autorização ao juiz da causa para requisitar à autoridade competente a dotação orçamentária respectiva.

 

c) Os pagamentos submeter-se-ão, contudo, à ordem constitucional de apresentação dos precatórios. A esta regra não parece haver forma de exclusão, a não ser que se trate de crédito de natureza alimentícia - em situação igualitária com os demais créditos desta natureza, que concorrerão entre si na prioridade cronológica.

Vale a este ponto lembrar que a disciplina enfocada atrela-se indiscutivelmente aos princípios orçamentários dispostos pela própria Constituição Federal (art. 165), cuja existência lastreia-se no fim maior de prever e programar as despesas públicas (e, portanto, mensurar investimentos e até mesmo estabelecer receitas), de forma universal.

Ir de encontro a esta ordem de coisas significaria uma ingerência descomensurada do poder judiciário sobre as funções do poder executivo, com reflexos negativos, a final, na consecução do próprio interesse público.

 

d) Assim, mesmo admitindo-se a expedição de precatórios com base em decisão que antecipa a tutela contra a Fazenda Pública, submetendo seu pagamento efetivo, todavia, à ordem de apresentação, o efeito a se obter com a medida antecipatória resta, afinal, esmaecido. O transcurso do tempo permanecerá como obstáculo à efetividade da tutela, restando apenas ao aplicador da lei a sensação de que foi em vão o seu esforço.

 

 

III.2) A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E A OBRIGATORIEDADE DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

 

A este primeiro conjunto de ponderações deve seguir aquele que decorre da exigência do duplo grau de jurisdição para as decisões contrárias à Fazenda Pública. É o que se extrai do art. 475 do Código de Processo Civil:

"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - que anular casamento

II - proferida contra a União, o Estado e o Município;

III - que julgar improcedente a execução da dívida ativa da Fazenda Pública" (grifo nosso)

A razão desta peculiaridade de tratamento parece estar na preponderância do interesse público envolvido. Nos casos específicos do inciso II e III, necessário lembrar que as decisões judiciais contrárias a condutas do poder público, de regra, protraem seus efeitos, direta ou indiretamente, sobre terceiros. Da mesma forma, as condenações que têm por alvo o erário público repercutem de forma global na organização da Administração e na consecução de seus fins, sempre indisponíveis e inadiáveis.

Desta feita, premente se faz a garantia de que à decisão precederão ponderações cuidadosas e profundas. É, então, o que se busca assegurar com a postergação da eficácia da sentença ao momento de sua confirmação pela segunda instância.

É de se observar que o texto do art. 475 afirma a ineficácia da sentença de primeira instância contra a União, Estados e Municípios, que só se completa - adequando-se à tríade perfeição-validade-eficácia - quando confirmada pelo Tribunal competente.

Isto significa que, não obstante a inexistência de recursos voluntários, a sentença de primeiro grau não está apta a transitar em julgado, tornando-se exeqüível o seu comando somente após a apreciação da segunda instância. A decisão do juízo singular parece ter natureza de ato complexo, que só se completa com o julgamento do, anteriormente denominado, "recurso ex officio". A tutela atribuível pelo julgador de primeira instância é, pois, nestes casos, sempre incompleta.

É esta tutela "incompleta" que será antecipada pelo juízo singular caso as condições do art. 273 do Código de Processo Civil estejam presente no caso concreto. Somente os efeitos passíveis de produção por força de sua decisão podem ser adiantados - nunca aqueles submetidos a condição posterior e independente de seu julgamento.

Assim, a única conclusão a que se pode chegar é que a tutela antecipada contra a Fazenda Pública nunca poderá ter o efeito prenunciado pelo § 3 º do art. 273 do Código de Processo Civil - a sua execução provisória - , mas, no máximo, a remessa antecipada da decisão para apreciação do tribunal competente. Somente após sua confirmação, potencializados estariam os efeitos imaginados pelo legislador para o instituto introduzido pelo art. 273 do Código de Processo Civil.

Perceba-se, desde já, o tumulto processual instalado com a remessa à segunda instância da decisão provisória, e, após, a repetição desta providência no que diz respeito à tutela definitiva.

Mais uma vez a conclusão é única: o transcurso do tempo permanece como obstáculo à efetividade do processo, e inviável, na prática, o instituto da antecipação da tutela como instrumento para seu combate nas demandas contra a Fazenda Pública

Nos casos em que o risco de inefetividade da tutela existir, acompanhado do fumus boni juris e do periculum in mora, cabível será a via cautelar, resguardando-se a pretensão do autor de forma instrumental.

IV. A LEI N. 9.494/97

 

Não obstante todo o exposto, forçoso é reconhecer que o direito positivo trilhou caminho oposto. A medida provisória n. 1570, alvo de várias republicações até a sua conversão na Lei n. 9.4946 , de 10/09.97, estatui, no seu art. 1 º :

"Art. 1 º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5 º e seu parágrafo único e 7 º da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1 º e seu § 4 º da Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1 º , 3 º e 4 º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992."

Todas as disposições legais a que faz referência o artigo acima transcrito tratam de limitações a liminares e cautelares contra o Poder Público - i.e., limitações contra as medidas que, de alguma forma, privilegiam a segurança contra os efeitos do tempo em detrimento do reconhecimento judicial definitivo da certeza jurídica.

Ao impor aqueles limites, a Lei acaba por reconhecer, a contrario sensu, a admissibilidade da antecipação da tutela (tanto a prevista no art. 273, quanto àquela introduzida pelo art. 461 do Código de Processo Civil , atinentes às ações que tenham por objeto cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer) contra a Fazenda Pública.

Demonstrou-se anteriormente, todavia, que não se pode afirmar que o sistema processual brasileiro proíba a antecipação de tutela contra a União, Estados e Municípios. É válido dizer, apenas, que as circunstâncias a que estas demandas se submetem (como o obrigatório duplo grau de jurisdição) tornam a medida antecipatória incapaz de atingir os objetivos para os quais foi idealizada.

Os argumentos, por conseguinte, resistem à aparente admissão legal da tutela antecipada contra atos do Poder Público.

 

 

V. CONCLUSÕES

 

 

1. A medida de antecipação da tutela prevista no art. 273 do Código de Processo Civil não se confunde com a noção de medida cautelar, e importa no antecipado atendimento satisfativo da pretensão do autor, através de decisão interlocutória dotada de provisória eficácia executiva.

 

2. São seus requisitos a existência de prova inequívoca da causa de pedir, a reversibilidade da tutela, e, alternativamente, o fundado risco de dano irreparável ou de difícil reparação, o abuso do direito de defesa ou o propósito protelatório do réu.

 

3. O requisito do inciso I do art. 273 deve ser analisado tomando-se por base a tutela pretendida de per si, não se confundindo com o periculum in mora exigido na tutela cautelar, onde a observação tem como prisma a possibilidade da conduta do réu obstaculizar a tutela final.

 

4. O sistema dos precatórios só é aplicado nas execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública.

 

5. A interpretação sistemática permite englobar no âmbito do termo "sentença judiciária", de que faz uso o art. 100 da Constituição Federal, a decisão que antecipa a tutela contra a Fazenda Pública.

 

6. O pagamento lastreado em decisão antecipatória de tutela deve submeter-se à ordem cronológica de apresentação dos precatórios

 

7. As decisões que antecipam a tutela contra a Fazenda Pública só geram efeitos após sua confirmação pelo tribunal competente, por força da regra do art. 475 do Código de Processo Civil

 

8. A Lei 9494/97 reconhece possível, a contrario sensu, a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública

 

9. Em vista das conclusões de n. "6" e "7" e "8", a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, embora teoricamente permitida pela sistema, não é medida eficiente contra o abuso do direito de defesa ou os efeitos danosos do transcurso do tempo sobre a efetividade da tutela.

 

10. O meio processual adequado para a proteção emergencial de pretensões cuja efetividade esteja ameaçada pelo decurso do tempo continua sendo o cautelar, mesmo que, em determinadas situações, adquira a medida teor satisfativo.

 

BIBLIOGRAFIA

 

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_________

 1Art. 273, § 5 º do Código de Processo Civil: "Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até o final julgamento"

 2Angela Cristina Pelicioli ("A Fazenda Pública e a antecipação da tutela", in Gênesis - Revista de Direito Administrativo Aplicado, 14/615), salienta que o princípio da universalidade do orçamento público apresenta as seguintes vantagens: a) o conhecimento antecipado de todas as receitas e despesas do governo; b) a autorização prévia para a respectiva arrecadação e realização; c) impedir a realização de operações de receita ou despesa sem prévia autorização parlamentar; d) conhecer o volume global das despesas projetadas, a fim de não onerar excessivamente o contribuinte com tributos desnecessários.

 3Este argumento contrapõe-se à posição de Luiz Rodrigues Wambier (Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, Revista de Processo, 87/33), ao afirmar a insubmissão da antecipação da tutela ao sistema de precatórios, tendo por razão o fato da decisão interlocutória antecipatória não se subsumir ao conceito de "sentença judiciária", do art. 100 da Constituição Federal - pelo que não incidiria a regra constitucional. Conclui, assim, que a ordem judicial consistiria em "obrigação de empenhar quantia certa para depósito, o que se constitui, a rigor, em obrigação de fazer, capaz de ensejar a incidência do disposto no art. 461 e seus parágrafos" (tutela antecipada da obrigação de fazer). Visualiza o referido autor até mesmo a possibilidade de seqüestro de valores públicos. Medidas deste talante, a nosso ver, resultariam em séria transgressão aos princípios orçamentários e, até mesmo, à necessária autonomia entre os Poderes, representando um ingerência que extrapolaria o dever de controle a ser exercido pelo Judiciário sobre o Executivo.

 4 Teori Albino Zavascki ( "Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais", in "A Reforma do Código de Processo Civil" (coletânea), Saraiva, 1996, p. 155) afirma que, tendo a decisão antecipatória da tutela natureza interlocutória, não se submeteria à regra do art. 475, apenas aplicável a "sentenças". A nosso ver, no entanto, antes do teor interlocutório, requer ser observado o próprio conteúdo antecipatório, para verificar que somente é possível antecipar-se o que poderia ser concedido a final. As sentenças contrárias a Fazenda Pública submetem-se a uma condição para sua eficácia: a sua confirmação pela segunda instância julgadora. Antes disso, seria ilógico admitir-se que o juízo de primeiro grau poderia antecipar o que mesmo na fase final do procedimento, lhe é negado conceder (leia-se: a executividade da tutela).

 5Esclareça-se que, a nosso ver, o caso concreto pode exigir, em algumas situações, o deferimento de cautelares cujo conteúdo seja satisfativo, possibilidade que não foi banida do sistema pela Lei n. 8.952/94. É forçoso reconhecer que, em determinadas situações da vida, apenas a satisfação prévia da tutela pretendida terá efeito cautelar em relação a sua efetividade no futuro. A natureza cautelar desta "antecipação" permanece diante da análise dos pressupostos escolhidos para o seu deferimento, que, como vimos neste trabalho (item "II"), distanciam-se daqueles eleitos pelo legislador no art. 273, do Código de Processo Civil (tanto no que diz respeito à expressão "periculum in mora", quanto na observação do "fumus boni juris" - este último também exclusivo da tutela cautelar, afastando-se das noções de "prova inequívoca", e "verossimilhança da alegação", que exigem um grau mais elevado de certeza se comparadas à idéia de relevância do fundamento).

Desta forma, presentes as condições exigidas para a concessão da cautelar, a medida deve ser deferida ainda que com caráter satisfativo, nos casos em que este é o único meio de atingir a tutela acautelatória.

Nos parece adequar-se a estas observações o julgado do TJ-SP (Ac.. unân. da 9ª Câm. de Direito Público, de 3-9-97 - AL 48.042-5/0 - Rel. Des. De Santi Ribeiro, in ADV/COAD - Jurisprudência, boletim semanal n. 53/98, p. 813). Não obstante seu texto refira-se a "tutela antecipada", os conceitos trabalhados pelos julgadores mostram-se claramente desconformes com os requisitos do instituto novo, subsumindo-se, ao contrário, aos contornos de um provimento cautelar. Leia-se:

"Inobstante o respeito que merece o precedente citado pela agravante, tem-se que a tutela antecipada contra a Fazenda Pública é admissível em tese, somente não podendo vulnerar a sistemática própria da execução que se faz por meio de precatórios, problema de que não se cogita na hipótese dos autos. Quanto à relevância do fundamento da demanda, está o autor respaldado na Constituição da República, que proclama o atendimento à saúde como um direito de todos e dever do Estado - art. 196 -, cujo atendimento deve ser integral - art. 198, inciso II -, compreendendo, por força dessa norma, o fornecimento de medicamentos, inclusive pelo que dispõe a Lei n. 8.080, de 1990, ao regulamentar o Sistema Único de Saúde - SUS. Assim, no caso vertente, existe o fumus boni juris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado pelo autor, num primeiro juízo de verossimilhança. O periculum in mora é evidente, existindo justificado receio que a ineficácia do provimento final, não podendo mesmo ser arredada a provável morte do autor caso não fornecido o medicamento necessário. A alegada existência de outros medicamentos padronizados para a patologia em questão, que estariam à disposição dos pacientes mediante simples preenchimento de formulários próprios, não afasta o requisito do periculum in mora, pois o autor destacou que alguns medicamentos já não surtem efeitos em seu organismo, sendo-lhe assim prescrito o remédio PROGRAF. Por outro lado, inexiste qualquer elemento nos autos a indicar a ausência de verba para aquisição urgente do medicamento necessário para salvar a vida do autor. Ademais, a emergência na compra de medicamentos poderá até ensejar a dispensa da licitação , nos termos do art. 24, inciso IV, da Lei n. 8.666, de 1993". (grifo nosso)

A extrema justiça pregada pela decisão poderia, a nosso ver, ter sido alcançada através do meio adequado - processo cautelar - sem que fosse transgredida a regra que obstaculariza a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública sem a prévia confirmação pelo segundo grau de jurisdição.

 6Decisão do Supremo Tribunal Federal, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.576-1, suspendeu a eficácia do art. 2 º da então medida provisória n. 1.570, que, alterando a redação do art. 1.º da Lei n. 8.437/92, exigia a prestação de garantia para o deferimento qualquer medida de caráter antecipatório contra a Fazenda Pública. O STF entendeu que a exigência de caução restaria sem sentido frente a obrigatória reversibilidade da medida antecipatória.

INÍCIO