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LEI N. 4.504, DE 30 DE NOVEMBRO
DE 1964
Dispõe sobre o
Estatuto da Terra, e dá outras providências.
O Presidente da República,
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte Lei:
TÍTULO I
Disposições Preliminares
CAPÍTULO I
Princípios e Definições
Artigo 1° - Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes
aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da
Política Agrícola.
§ 1° - Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que
visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua
posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de
produtividade.
§ 2º - Entende-se por Política Agrícola o conjunto de
providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse
da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno
emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.
Artigo 2° - É assegurada a todos a oportunidade de acesso à
propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° - A propriedade da terra desempenha integralmente a sua
função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que
nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações
de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
§ 2° - É dever do Poder Público:
a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à
propriedade da terra economicamente útil, de preferencia nas regiões onde habita, ou,
quando as circunstâncias regionais, o aconselhem em zonas previamente ajustadas na forma
do disposto na regulamentação desta Lei;
b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função
social, estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa
remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao
bem-estar coletivo.
§ 3º - A todo agricultor assiste o direito de permanecer na terra
que cultive, dentro dos termos e limitações desta Lei, observadas sempre que for o caso,
as normas dos contratos de trabalho.
§ 4º - É assegurado às populações indígenas o direito à
posse das terras que ocupam ou que lhes sejam atribuídas de acordo com a legislação
especial que disciplina o regime tutelar a que estão sujeitas.
Artigo 3º - O Poder Público reconhece às entidades privadas,
nacionais ou estrangeiras, o direito à propriedade da terra em condomínio, quer sob a
forma de cooperativas quer como sociedades abertas constituídas na forma da legislação
em vigor.
(...)
Artigo 4º - Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área
contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa
agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de
valorização, quer através de iniciativa privada;
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e
pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de
trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área
máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a
ajuda de terceiros;
III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso
anterior;
IV - "Minifúndio", o imóvel rural de área e
possibilidades inferiores às da propriedade familiar;
V - "Latifúndio", o imóvel rural que:
a) exceda à dimensão máxima fixada na forma do artigo 46, § 1°,
alínea "b", desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas
agrícolas regionais e o fim a que se destine;
b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo
área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido
inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com
fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a
inclusão no conceito de empresa rural;
VI - "Empresa Rural" é o empreendimento de pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural,
dentro de condição de rendimento econômico (...) Vetado (...) da região em que se
situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados,
pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas
cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com
benfeitorias;
VII - "Parceleiro", aquele que venha a adquirir lotes ou
parcelas em área destinada à Reforma Agrária ou à colonização pública ou privada;
VIII - "Cooperativa Integral de Reforma Agrária (CIRA)",
toda sociedade cooperativa mista, de natureza civil, (...) Vetado (...) criada nas áreas
prioritárias de Reforma Agrária, contando temporariamente com a contribuição
financeira e técnica do Poder Público, através do Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária, com a finalidade de industrializar, beneficiar, preparar e padronizar a
produção agropecuária, bem como realizar os demais objetivos previstos na legislação
vigente;
IX - "Colonização", toda a atividade oficial ou
particular, que se destine a promover o aproveitamento econômico da terra, pela sua
divisão em propriedade familiar ou através de Cooperativas (...) Vetado (...)
Parágrafo único - Não se considera latifúndio:
a) o imóvel rural, qualquer que seja a sua dimensão, cujas
características recomendem, sob o ponto de vista técnico e econômico, a exploração
florestal racionalmente realizada, mediante planejamento adequado;
b) o imóvel rural, ainda que de domínio particular, cujo objeto de
preservação florestal ou de outros recursos naturais haja sido reconhecido para fins de
tombamento, pelo órgão competente da administração pública.
Artigo 5° - A dimensão da área dos módulos de propriedade rural
será fixada para cada zona de características econômicas e ecológicas homogêneas,
distintamente, por tipos de exploração rural que nela possam ocorrer.
Parágrafo único - No caso de exploração mista, o módulo será
fixado pela média ponderada das partes do imóvel destinadas a cada um dos tipos de
exploração considerados.
(...)
Artigo 6º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão unir seus esforços e recursos, mediante acordos, convênios ou
contratos para a solução de problemas de interesse rural, principalmente os relacionados
com a aplicação da presente Lei, visando a implantação da Reforma Agrária e à
unidade de critérios na execução desta.
(...)
Artigo 9º - Dentre as terras públicas, terão prioridade,
subordinando-se aos itens previstos nesta Lei, as seguintes:
I - as de propriedade da União, que não tenham outra destinação
específica;
II - as reservadas pelo Poder Público para serviços ou obras de
qualquer natureza, ressalvadas as pertinentes à segurança nacional, desde que o órgão
competente considere sua utilização econômica compatível com a atividade principal,
sob a forma de exploração agrícola;
III - as devolutas da União, dos Estados e dos Municípios.
(...)
Artigo 12 - À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma
função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição
Federal e caracterizado nesta Lei.
Artigo 13 - O Poder Público promoverá a gradativa extinção das
formas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social.
(...)
Artigo 15 - A implantação da Reforma Agrária em terras
particulares será feita em caráter prioritário, quando se tratar de zonas críticas ou
de tensão social.
(...)
Artigo 16 - A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de
relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a
justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento
econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
(...)
Artigo 17 - O acesso à propriedade rural será promovido mediante a
distribuição ou a redistribuição de terras, pela execução de qualquer das seguintes
medidas:
a) desapropriação por interesse social;
b) doação;
c) compra e venda;
d) arrecadação dos bens vagos;
e) reversão à posse (Vetado) do Poder Público de terras de sua
propriedade, indevidamente ocupadas e exploradas, a qualquer título, por terceiros;
f) herança ou legado.
Artigo 18 - À desapropriação por interesse social tem por fim:
a) condicionar o uso da terra à sua função social;
b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade;
c) obrigar a exploração racional da terra;
d) permitir a recuperação social e econômica de regiões;
e) estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e
assistência técnica;
f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos
recursos naturais;
g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio
rural;
h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora
ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias.
(...)
Artigo 20 - As desapropriações a serem realizadas pelo Poder
Público, nas áreas prioritárias, recairão sobre:
I - os minifúndios e latifúndios;
II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de
vulto;
III - as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades
predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos
naturais;
IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando
estes não tiverem logrado atingir seus objetivos;
V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários,
parceiros e posseiros;
VI - as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária comprovem não ser o adequado à sua vocação de
uso econômico.
Artigo 21 - Em áreas de minifúndio, o Poder Público tomará as
medidas necessárias à organização de unidades econômicas adequadas, desapropriando,
aglutinando e redistribuindo as áreas.
Artigo 22 - (...)
Parágrafo único - A União poderá desapropriar, por interesse
social, bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios,
precedido o ato, em qualquer caso, de autorização legislativa.
Artigo 23 - Os bens desapropriados por sentença definitiva, uma vez
incorporados ao patrimônio público, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que
fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação julgada procedente,
resolver-se-á em perdas e danos.
Parágrafo único - A regra deste artigo aplica-se aos imóveis
rurais incorporados ao domínio da União, em conseqüência de ações por motivo de
enriquecimento ilícito em prejuízo do Patrimônio Federal, os quais transferidos ao
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, serão aplicados aos objetivos desta Lei.
(...)
Artigo 24 - As terras desapropriadas para os fins da Reforma
Agrária que, a qualquer título, vierem a ser incorporadas ao patrimônio do Instituto
Brasileiro de Reforma Agrária, respeitada a ocupação de terras devolutas federais
manifestada em cultura efetiva e moradia habitual, só poderão ser distribuídas:
I - sob a forma de propriedade familiar, nos termos das normas
aprovadas pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária;
II - a agricultores cujos imóveis rurais sejam comprovadamente
insuficientes para o sustento próprio e o de sua família;
III - para a formação de glebas destinadas à exploração
extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial, por associações de agricultores
organizadas sob regime cooperativo;
IV - para fins de realização, a cargo do Poder Público, de
atividades de demonstração educativa, de pesquisa, experimentação, assistência
técnica e de organização de colônias-escolas;
V - para fins de reflorestamento ou de conservação de reservas
florestais a cargo da União, dos Estados ou dos Municípios.
Artigo 25 - As terras adquiridas pelo Poder Público, nos termos
desta Lei, deverão ser vendidas, atendidas as condições de maioridade, sanidade e de
bons antecedentes, ou de reabilitação, de acordo com a seguinte ordem de preferência:
I - ao proprietário do imóvel desapropriado, desde que venha a
explorar a parcela, diretamente ou por intermédio de sua família;
II - aos que trabalhem no imóvel desapropriado como posseiros,
assalariados, parceiros ou arrendatários;
III - aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão
da propriedade familiar da região;
IV - aos agricultores cujas propriedades sejam comprovadamente
insuficientes para o sustento próprio e o de sua família;
V - aos tecnicamente habilitados na forma dá legislação em vigor,
ou que tenham comprovada competência para a prática das atividades agrícolas.
§ 1° - Na ordem de preferência de que trata este artigo, terão
prioridade os chefes de família numerosas cujos membros se proponham a exercer atividade
agrícola na área a ser distribuída.
§ 2º - Só poderão adquirir lotes os trabalhadores sem terra,
salvo as exceções previstas nesta Lei.
§ 3º - Não poderá ser beneficiário da distribuição de terras
a que se refere este artigo o proprietário rural, salvo nos casos dos incisos I, III e
IV, nem quem exerça função pública, autárquica ou em órgão paraestatal, ou se ache
investido de atribuições parafiscais.
(...)
Artigo 33 - A Reforma Agrária será realizada por meio de planos
periódicos, nacionais e regionais, com prazos e objetivos determinados, de acordo com
projetos específicos.
(...)
Artigo 47 - Para incentivar a política de desenvolvimento rural, o
Poder Público se utilizará da tributação progressiva da terra, do Imposto de Renda, da
colonização pública e particular, da assistência e proteção à economia rural e ao
cooperativismo e, finalmente, da regulamentação do uso e posse temporários da terra,
objetivando:
I - desestimular os que exercem o direito de propriedade sem
observância da função social e econômica da terra;
II - estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro
dos princípios de conservação dos recursos naturais renováveis;
III - proporcionar recursos à União, aos Estados e Municípios
para financiar os projetos de Reforma Agrária;
IV - aperfeiçoar os sistemas de controle da arrecadação dos
impostos.
(...)
Artigo 49 - As normas gerais para a fixação do imposto territorial
obedecerão a critérios de progressividade e regressividade, levando-se em conta os
seguintes fatores:
I - os valores da terra e das benfeitorias do imóvel;
II - a área e dimensões do imóvel e das glebas de diferentes
usos;
III - a situação do imóvel em relação aos elementos do inciso
II do artigo 46;
IV - as condições técnicas e econômicas de exploração
agropecuária-industrial;
V - a natureza da posse e as condições de contratos de
arrendatários, parceiros e assalariados;
VI - a classificação das terras e suas firmas de uso e
rentabilidade;
VII - a área total agricultável do conjunto de imóveis rurais de
um mesmo proprietário no país.
(...)
Artigo 73 - Dentro das diretrizes fixadas para a política de
desenvolvimento rural, com o fim de prestar assistência social, técnica e fomentista e
de estimular a produção agropecuária, de forma a que ela atenda não só ao consumo
nacional, mas também à possibilidade de obtenção de excedentes exportáveis, serão
mobilizados, entre outros, os seguintes meios:
I - assistência técnica;
II - produção e distribuição de sementes e mudas;
III - criação, venda e distribuição de reprodutores e uso da
inseminação artificial;
IV - mecanização agrícola;
V - cooperativismo;
VI - assistência financeira e creditícia;
VII - assistência à comercialização;
VIII - industrialização e beneficiamento dos produtos;
IX - eletrificação rural e obras de infra-estrutura;
X - seguro agrícola;
XI - educação, através de estabelecimentos agrícolas de
orientação profissional;
XII - garantia de preços mínimos à produção agrícola.
§ 1° - Todos os meios enumerados neste artigo serão utilizados
para dar plena capacitação ao agricultor e sua família e visam, especialmente, ao
preparo educacional, à formação empresarial e técnico-profissional:
a) garantindo sua integração social e ativa participação no
processo de desenvolvimento rural;
b) estabelecendo, no meio rural, clima de cooperação entre o homem
e o Estado, no aproveitamento da terra.
(...)
Artigo 89 - Os planos nacional e regional de Reforma Agrária
incluirão, obrigatoriamente, as providências de valorização, relativas a
eletrificação rural e outras obras de melhoria de infra-estrutura, tais como
reflorestamento, regularização dos deflúvios dos cursos dágua, açudagem,
barragens submersas, drenagem, irrigação, abertura de poços, saneamento, obras de
conservação do solo, além do sistema viário indispensável à realização do projeto.
(...)
Artigo 93 - Ao proprietário é vedado exigir do arrendatário ou do
parceiro:
I - prestação de serviço gratuito;
II - exclusividade da venda da colheita;
III - obrigatoriedade do beneficiamento da produção em seu
estabelecimento;
IV - obrigatoriedade da aquisição de gêneros e utilidades em seus
armazéns ou barracões;
V - aceitação de pagamento em "ordens",
"vales", "borós" ou outras formas regionais substitutivas da moeda.
(...)
Artigo 103 - A aplicação da presente Lei deverá objetivar, antes
e acima de tudo, a perfeita ordenação do sistema agrário do país, de acordo com os
princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização
do trabalho humano.
(...)
Artigo 105 - Fica o Poder Executivo autorizado a emitir
títulos, denominados Títulos da Dívida Agrária, distribuídos em séries autônomas,
respeitado o limite máximo de circulação equivalente a 500.000.000 de OTN (quinhentos
milhões de Obrigações do Tesouro Nacional). (Redação dada pela Lei n. 7.647, de
19.1.88).